“queridos pais. são exatamente 23h43 de um 3 de abril chuvoso e frio que só e eu só consigo pensar em ‘do que adianta estar vivo morto por dentro?’. antes de mais nada eu estou feliz. suplico encarecidamente: não torturem meu corpo com lágrimas levianas, não se lamentem, ou questionem. não tragam velas ou façam rezas, nem nada. porque eu estou indo feliz. acreditem! sei que quando lerem este bilhete acharam loucura, mas tudo é a síntese de uma árdua e solitária era para o ser humano. nunca estive em tão sã consciência e isso era tudo o que eu queria: me livrar do peso de ter que ser alguém. lembra mãe, quando eu era pequeno você sempre dizia pr’eu prender o choro, porque rapazes não choram? então. me acostumei tanto a fazer isto que agora vejo-me asfixiado em meio à lágrimas que nunca chorei. mas pelo amor de deus, não se culpe por isso. porque eu estou feliz, poxa. eu acredito que: se a gente parar de cozinhar, lavar e passar para a dor - que vive sentada massacrando o nosso peito sem dó nem piedade, ela vai perdendo as forças, o peso, a forma e vai chegar uma hora em que ira embora quer queria ou não. e é exatamente o que estou fazendo - com um sorriso singelo no rosto, deixando de alimentá-la. é deus parece que vai ser nós dois, e pai, só estou indo assistir o jogo do lugar mais alto da arquibancada. como um último pedido: para o meu epitáfio a seguinte frase “viveu tão intensamente que tamanha intensidade não coube numa só vida”. por ressalva acho que nunca vos disse, pais, por mero orgulho ou vaidade, amo-lhes. sim amo-lhes. perdão por nunca ter os dito antes. beijos. se puderem senti-los. Adeus.

jun 19 2015 ∞
jun 19 2015 +