• "quando bobbi falava de mim parecia que eu me olhava no espelho pela primeira vez."
  • "com os outros eu geralmente tinha a noção do que levar a sério e do que não levar, mas com bobbi isso era impossível. ela nunca parecia totalmente séria ou totalmente brincalhona."
  • "o fingimento para mim era tão verdadeiro que, quando acidentalmente vislumbrava meu reflexo e via minha aparência, sentia um choque estranho, despersonalizante."
  • "uma vez ele atirou um dos sapatos que eu usava para ir a escola na minha cara depois de tropeçar nele. errou a mira e caiu na lareira, eu fiquei olhando o sapato derreter como se fosse o meu rosto. aprendi a não demonstrar medo, servia apenas para provocá-lo. eu era fria como um peixe, depois minha mãe disse: por que você não tirou ele do fogo? afinal, você consegue mexer um dedo que seja? dei de ombros. também teria deixado meu rosto de verdade queimar no fogo."
  • "sentia uma dor de cabeça aumentar, como se descesse do céu direto para o meu cérebro. tentei bater os pés o mais alto que pude para me distrair dos pensamentos ruins, mas as pessoas me lançaram olhares curiosos e me senti intimidada. sabia que era uma fraqueza minha. bobbi nunca se intimidava por estranhos."
  • "fiquei em casa desfazendo os nós do meu cabelo com os dedos, puxando com tanta força que pequenos fios quebrados se emaranhavam e se rompiam com um estalo. pensei: é provável que eles nem estejam lá e eu tenha de voltar para casa e varrer todos esses frios de cabelo e me sentir péssima. é provável que não aconteça mais nada de relevante na minha vida e eu tenha que ficar varrendo as coisas até morrer."
  • "fui tomada por uma energia avassaladora e intensa que parecia me ameaçar. por favor, eu dizia. por favor, por favor. [...] pensei: talvez eu nunca mais seja capaz de falar depois disso."
  • "o sexo era tão bom que frequentemente eu chorava enquanto acontecia."
  • "eu gostaria de ter isso por escrito, se possível. uma coisa permanente, que eu possa olhar quando estiver no leito da morte."
  • "passava as noites olhando minhas próprias mãos ou tentando me concentrar na tela do laptop. eu me sentia nojenta, como se meu corpo estivesse repleto de bactérias malignas. sabia que nick não estava sofrendo os efeitos colaterais semelhantes. não havia nada de equivalente entre nós. ele tinha me amassado na mão feito papel e me jogado fora."
  • "é tipo, você se diverte batendo papo com ele na internet, ou é tipo, você tem vontade de rasgar a pele dele e beber o sangue?"
  • "a neblina era cinza como um véu. sonhei em me dar socos no estômago."
  • "a chuva gotejava em nossa pele e cabelo e os carros estacionados pareciam insetos mortos."
  • "tive uma sensação crescente de pavor, um pavor tênue e físico que começava nos meus ombros à medida que escutava. no começo, não entendia o que era. parecia tontura, ou o estranho embaçar que antecede uma doença brutal. tentei pensar no que poderia estar causando isso, as coisas que tinha comido ou o passeio de carro mais cedo. foi só quando me lembrei da noite anterior que soube o que era. estava me sentindo culpada."
  • "até meus pulmões doerem e meu rosto ficar em carne viva de tanto enxugá-los."
  • depois tomei banho até me sentir limpa de verdade e voltei para o meu quarto enrolada em toalhas. sentei-me na cama, a água caía do meu cabelo nas minhas costas, e chorei. estava tudo bem chorar porque ninguém podia me ver, e eu nunca contaria a ninguém. ; no momento em que acabei, sentia muito frio. as pontas dos meus dedos começavam a ficar com um sinistro tom cinza-esbranquiçado. sequei minha pele com a toalha e o cabelo com o secador até ele crepitar. então encostei na parte interna do meu cotovelo esquerdo e belisquei com tanta força entre o indicador e o polegar que rasguei a pele. foi isso. estava terminado. tudo ficaria bem."
  • "quis me ferir de novo a fim de sentir que havia retornado à segurança do meu próprio corpo."
  • "pensei em pedir que ele parasse, mas a ideia de que pudesse me ignorar me parecia mais séria do que a situação precisava ser. não se meta em uma confusão criminal, pensei. fiquei deitada e deixei que ele continuasse."
  • "você podia morrer, pensei, e naquele momento foi uma ideia relaxante. imaginei a morte como um interruptor, interrompendo toda a dor e o barulho, cancelando tudo."
  • "no conto, eu havia descrito uma festa longa depois da conclusão do ensino médio, quando tomei uma boa dose de vodca e passei a noite vomitando. sempre que alguém tentava cuidar de mim, eu botava a pessoa para fora e dizia: eu quero a bobbi. bobbi nem sequer estava na festa."
  • "pronunciou o nome de liese sem nenhum grande amor ou ódio, era apenas uma menina que conhecera, e depois disso, ao longo dos meses, talvez para sempre, tive medo de que também pronunciasse meu nome desse jeito."
  • "o tom de sua voz era delicado e eu queria escalá-lo como se fosse um buraco no qual pudesse ser suspensa."
  • "me senti alegremente cansada, como se todas as células do meu corpo desaparecessem e cada uma delas caísse em seu próprio sono profundo."
  • "que forte, ele respondeu. obrigado por dizer isso. agora vou ter de rir, senão vou cair no choro."
  • "a ideia de fazer imagens de um útero que não tinha nada me pareceu triste, como fotografar uma casa abandonada."
  • "então pisquei várias vezes rapidamente, como se assim pudesse expulsar a ideia da minha cabeça, ou expulsar o hospital inteiro"
  • "odiava os dois, com a intensidade de um amor fervoroso."
  • "uma rigidez havia tomado conta do meu corpo inteiro, portanto meu maxilar doía pela tensão. ele tocou no meu braço e me afastei dele como se ele tivesse me dado um tapa. ele pareceu magoado, como qualquer pessoa normal pareceria magoada. havia algo errado comigo, eu sabia."
  • "fechei os olhos e senti todos os móveis do meu quarto desaparecerem, como um jogo de tetris ao contrário, se levantando em direção ao alto da tela sumindo, e a próxima coisa que sumiria seria eu."
  • "em vez de ter pensamentos gigantescos, tentei me concentrar em algo pequeno, a menor coisa em que pudesse pensar. alguém fez esse banco onde estou sentada, pensei. alguém lixou a madeira e a envernizou. alguém a carregou até a igreja. alguém assentou os azulejos no chão, alguém encaixou as janelas. todos os tijolos foram colocados por mãos humanas, todas as dobradiças de todas as portas, todo o cimento das ruas lá fora, todas as lâmpadas em todos os postes. e até coisas construídas por máquinas tinha sido, na verdade, construídas por seres humanos, que construíram antes as máquinas. e os próprios seres humanos, feitos por outros humanos, lutando para criar filhos e famílias felizes. eu, todas as roupas que visto, toda a linguagem que sei. quem me pôs aqui nesta igreja, pensando esses pensamentos? outras pessoas, algumas que conheço muito bem e outras que nunca conheci. eu sou eu ou eu sou eles? isto aqui sou eu, frances? não, não sou eu. são os outros. às vezes me machuco e me faço mal, abuso dos imerecido privilegio cultural da brancura, desconsidero o trabalho alheio, já explorei uma iteração redutiva da teoria dos gêneros para evitar um combate moral sério, tenho uma relação conturbada com meu corpo, sim. quero ficar livre da dor e assim exigir que os outros também vivam livres da dor, a dor que é minha e portanto também é deles, sim, sim."
  • "um dia marianne nos viu de mãos dadas na faculdade e exclamou: vocês voltaram! demos de ombro. era um namoro e também não era uma namoro. cada um de nossos gestos parecia espontâneo, e se de fora lembrávamos um casal, tratava-se de uma coincidência interessante para nós. criamos uma piada a respeito disso, sem sentido para quem quer que fosse, inclusive para nós: o que é uma amiga? dizíamos com humor. o que é uma conversa?"
oct 13 2023 ∞
nov 2 2023 +