apresentação

  • a linguagem, moeda de comunicação entre os homens, ganha foros de personagem. e personagem em crise. emergem indagações: a palavra que se usa expressa o que se é verdadeiramente? é a linguagem que funda a realidade? a palvra distancia ou aproxima pessoas? dispor da palavra é um dor ou uma maldição? que palavra cabe ao artista contemporâneo? que palavra se adequa ao escritor terceiromundista para falar de um brasil miserável? que papel se espera do artista?
  • [o escritor] se dispõe a três tipos de abordagem: filosófica, social e estética:
    • pela perspectiva filosófica, enfoca os limites e alcances do conhecimento do mundo mediante a palavra e a consciência, através das quais o ser humano se distingue dos outros seres;
    • pela perspectiva social, investiga os impasses criados pela separação dos indivíduos em diferentes grupos, dando destaque à inserção do escritor e do nordestino na sociedade brasileira
    • pela perspectiva estética, sonda o gesto criador e o trabalho na busca da expressão que inaugure uma apreensão original do real.
  • os três aspectos, é claro, apresentam-se de forma imbricada no livro.
  • pelo ângulo filosófico, a evidência de que as origens do ser se perdem no tempo e de que é impossível voltar à época em que "as coisas acontecem antes de acontecer", leva o indivíduo a um estado de perplexidade.
  • fica apenas a constatação de que cada ser é um fragmento ou parte de algo. daí projetar-se, como sentido último da realidade, a realidade que sempre está faltando.
  • a consciência aflora como atributo humano paradoxal: dá instrumentos para se tentar responder a essas indagações, possibilita que se busque o sentido da vida e também desponta como fonte de dúvidas, assinalando a ruptura de cada ser individual com um modo de existência originário, em que tudo era um todo cheio de harmonia. a consciência é condição de liberdade e, simultaneamente, de aprisionamento.
  • [o narrador] ao mesmo tempo em que sabe que é um ser independente e gosta de sê-lo, anseia por uma identificação completa com o outro, por uma comunicação direta, sem obstáculos, o que acabaria anulando a sua individualidade, a sua autonomia.
  • a vivência de culpa, como se houvesse um erro fundamental a ser sanado [...] sempre retorna [...] o homem no mundo que, vendo cerradas as portas de acesso à unidade originária, vai investigar, solitário, a dinâmica da existência individual.

capítulos

  • e é claro que a história é verdadeira embora inventada - que cada um de nós a reocnheça em si mesmo porque todos nós somos um e quem não tem pobreza de dinheiro tem pobreza de espírito ou saudade por lhe faltar coisa mais preciosa que ouro - existe a quem falte o delicado essencial.
  • porque há o direito ao grito. então eu grito.
  • quero antes afiançar que essa moça não se conhece senão através de ir vivendo à toa. se tivesse a tolice de se perguntar "quem sou eu?" cairia estatelada e em cheio no chão. é que "quem sou eu?" provoca necessidade. e como satisfazer a necessidade? quem indaga é incompleto.
  • ela me acusa e o meio de me defender é escrever sobre ela.
  • escrevo por não ter nada a fazer no mundo: sobrei e não há lugar para mim na terra dos homens. escrevo proque sou um desesperado e estou cansado, não suporto mais a rotina de me ser e se não fosse a sempre novidade que é escrever, eu morreria simbolicamente todos os dias. mas preparado estou para sair discretamente pela saída da porta dos fundos. experimentei quase tudo, inclusive a paixão e o seu desespero. e agora só quereria ter o que eu tivesse sido e não fui.
  • faltava-lhe o jeito de se ajeitar. só vagamente tomava conhecimento da espécie de ausência que tinha de si em si mesma. se fosse criatura que se exprimisse diria: o mundo é fora de mim, eu sou fora de mim.
  • os fatos são sonoros mas entre os fatos há um sussuro. é o sussurro o que me impressiona.
  • há os que têm. e há os que não têm. é muito simples: a moça não tinha. não tinha o quê? é apneas isso mesmo: não tinha. se der para me entenderem, está bem. se não, também está bem.
  • deus é de quem conseguir pegá-lo.
  • "que é que você me pede chorando que eu não lhe dê cantando?"
  • e achava bom ficar triste. não desesperada, pois isso nunca ficara já que quera tão modesta e simples mas aquela coisa indefinível como se ela fosse romântica. claro que era neurótica, não há sequer necessidade de dizer. era uma neurose que a sustentava, meu deus, pelo menos isso: muletas [...] é que ela sentia falta de encontrar-se consigo mesma e sofrer um pouco é um encontro.
feb 20 2023 ∞
mar 5 2023 +