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  • Dois milhões e meio de homens nunca voltaram dos campos de batalha da Primeira Guerra Mundial, outro milhão morreu na guerra civil. Homens e mulheres que nunca foram aos campos de batalha pereceram de fome, frio e doenças. Epidemias de tifo, cólera e febre escarlatina mataram milhões. Somente o tifo deixou 1,5 milhão de mortos em 1918-1919. A taxa de mortalidade nas cidades triplicou. Famílias desmoronaram sob a pressão da sobrevivência e centenas de milhares de crianças acabaram órfãs ou abandonadas. No inverno de 1916-1917, os preços subiram pela metade, mas a renda das famílias caiu vertiginosamente à medida que mulheres e crianças substituíam os homens nas fábricas por uma fração dos salários.
  • As mulheres haviam ingressado na força de trabalho, mas ainda eram responsáveis por criar os filhos, cozinhar, limpar, costurar, remendar– o trabalho penoso e mecânico essencial para a família.
  • O capitalismo, de acordo com os bolcheviques, jamais seria capaz de fornecer uma solução sistemática para a dupla carga que as mulheres carregavam.
  • Os bolcheviques acreditavam que a liberdade de se divorciar – dissolver uma união que não era mais baseada no amor – era essencial para a liberdade do indivíduo. O direito ao divórcio era particularmente importante para as mulheres, cujos verdadeiros sentimentos e habilidades eram tão frequentemente suprimidos pelos laços indissolúveis do matrimônio.
  • No entanto, a questão do divórcio tinha uma dimensão tanto de gênero quanto de classe. As jovens rebeldes que lutavam por seus direitos à plenitude emocional, educação e carreiras, no final do século XIX, eram provenientes, em sua maioria, das classes alta e média. Enquanto elas desdenhavam o casamento em sua busca por independência, a massa das mulheres trabalhadoras soviéticas na década de 1920 tinha atitudes, oportunidades e perspectivas muito diferentes. Muitas dessas mulheres eram mães, sem qualificação profissional e analfabetas. Para elas, o casamento frequentemente representava uma forma de segurança e sobrevivência. Sua dependência do homem assalariado era mais do que legal; era também social e econômica.
  • O alto índice de desemprego, os baixos salários e a ausência de creches não apenas reforçavam a dependência das mulheres em relação à família, mas criavam uma contradição aguda entre a dura realidade da vida e uma visão legal de liberdade há muito tempo promulgada pelos reformadores e socialistas.
  • Os bolcheviques argumentavam que somente o socialismo poderia resolver a contradição entre trabalho e família. Sob o socialismo, o trabalho doméstico seria transferido para a esfera pública: as tarefas realizadas individualmente por milhões de mulheres não pagas em suas casas seriam assumidas por trabalhadores assalariados em refeitórios, lavanderias e creches comunitários. Só assim as mulheres se veriam livres para ingressar na esfera pública em condições de igualdade com os homens, desvencilhadas das tarefas de casa. As mulheres seriam educadas e pagas igualitariamente, e seriam capazes de buscar seu próprio desenvolvimento e seus objetivos pessoais. Sob tais circunstâncias, o casamento se tornaria supérfluo. Homens e mulheres se uniriam e se separariam como quisessem, desassociados das pressões deformadoras da dependência econômica e da necessidade. A união livre substituiria gradualmente o casamento à medida que o Estado deixasse de interferir na união entre os sexos. Os pais, independentemente de seu estado civil, tomariam conta de seus filhos com a ajuda do Estado; o próprio conceito de ilegitimidade se tornaria obsoleto. A família, arrancada de suas funções sociais prévias, definharia gradualmente, deixando em seu lugar indivíduos completamente autônomos e iguais, livres para escolher seus parceiros com base no amor e no respeito mútuos.
  • Os bolcheviques, dessa maneira, ofereceram uma solução aparentemente direta para a opressão às mulheres. Entretanto, suas receitas, apesar de uma aparência externa de simplicidade, se alçavam sobre complexas suposições, sobre as fontes e o significado da libertação. Em primeiro lugar, eles assumiram que o trabalho doméstico deveria ser removido, quase que inteiramente, do lar. Não seria redistribuído entre os gêneros da família. Os bolcheviques não desafiaram os homens a compartilharem o “trabalho feminino”, mas buscaram simplesmente transferir as tarefas para o domínio público. Apesar de frequentemente afirmarem que os homens deveriam “ajudar” as mulheres em casa, não estavam profundamente preocupados em redefinir os papéis de gênero dentro da família.
  • Em segundo lugar, supuseram que as mulheres somente seriam livres se ingressassem no mundo do trabalho assalariado. Ao invés de reconsiderar o valor que a sociedade imprimia às tarefas que as mulheres realizavam em casa, desprezaram o trabalho doméstico como o entediante progenitor do atraso político. [...] Para que as mulheres se libertassem, econômica e psicologicamente, precisariam assemelhar-se mais aos homens ou, especificamente, aos homens trabalhadores.
oct 19 2022 ∞
may 8 2023 +