em algum lugar, no suave desdobrar de outra realidade, eu sou
- um gato preto de olhos dourados — silencioso, desperto, em constante espreita;
- o ar — sutil, inquieto, sempre se movendo em direção a outro destino;
- um dragão — calor primevo, com fumaça aninhada por trás dos dentes;
- a caixa torácica — frágil sacrário de tudo o que se sente em demasia;
- um sorriso tímido que só se revela quando não há testemunhas;
- o anseio pelo que ainda não ousou existir;
- as batidas irregulares do coração de um enamorado;
- o sabor do café expresso fundindo-se ao chocolate ao leite na ponta da língua;
- o agridoce — dor e deleite entretecidos no mesmo fôlego;
- um dente-de-leão — promessa fugaz, prestes a desprender-se do imaginário;
- um kiwi — doçura velada sob uma casca peculiar;
- a hora azul — o hesitar da luz, antes de render-se à escuridão;
- o outono — tristeza tênue que consola enquanto se desfaz;
- uma tormenta que se ergue, lenta, no horizonte;
- azul-ultramarino — o noturno do oceano, contido numa única tonalidade;
- inglês arcaico — memória viva, pronunciada em outra cadência;
- o número cinco — harmonia que se sustenta no movimento;
- uma tragédia quedada, em que tudo é dito nas entrelinhas;
- um velho diário de couro, guardando pétalas há muito adormecidas;
- um sótão de verões esquecidos, onde a poeira valsa na claridade;
- netuno — distante, cintilante, serenamente intocável.
- terra molhada & páginas gastas — a chuva despertando lembranças absortas;
- um grimório extraviado, cujas margens murmuram segredos;
- o eco de um violoncelo percorrendo um salão deserto;
- um limiar — o leve tremor entre um mundo que finda e outro que se aproxima;
- “àtopos” — deslocado, e portanto inesquecível.