- As línguas, para mim, têm um veneno secreto que de vez em quando aflora e para o qual não há antídoto.
- Como eu sofria por ela e por mim, como eu me envergonhava de ter saído da barriga de alguém tão infeliz.
- Depois senti fome e voltei à bandeja de frutas. Descobri que, por baixo da bela aparência, figos, peras, ameixas, pêssegos e uvas estavam velhos ou podres. Peguei uma faca, retirei grandes partes escuras, mas o cheiro e o sabor me causaram nojo, e joguei quase tudo na lata de lixo. Eu podia sair, procurar um restaurante, mas abri mão de comer por conta do cansaço; estava com sono.
- Devo ter sentido uma daquelas ondas de pena que me invadiam desde criança, sem uma razão evidente, em relação a pessoas, animais, plantas, coisas. A explicação me agradou, pareceu aludir a algo intrinsecamente nobre. Foi um impulso irrefletido de socorro, pensei.
- Nunca se deve chegar à noite em um lugar desconhecido: tudo é indefinido, todas as coisas dão uma impressão negativa.
- Percebi há muito tempo que conservo pouco de mim e tudo delas.
- Eu mesma estava brincando naquele momento, uma mãe não é nada além de uma filha que brinca, aquilo me ajudava a refletir.
- — Porque percebi que eu não era capaz de criar nada meu que pudesse realmente estar à altura delas. De repente, ela abriu um sorriso de satisfação. — Então você voltou por amor às suas filhas? — Não, voltei pelo mesmo motivo que me fez ir embora: por amor a mim mesma.
- Os filhos são assim, às vezes amam com afagos, outras vezes tentam mudá-la totalmente, reinventando você, como se achassem que cresceu mal e que é dever deles ensinar a como estar no mundo, a música que você deve ouvir, os livros que deve ler, os filmes que deve assistir, as palavras que deve ou não usar porque são velhas, ninguém as usa mais.
- Neni, Nile, Nilotta, Nanicchia, Nanuccia, Nennella. Nani. Tem água na sua barriga, meu amor. Você mantém a sua escuridão líquida na sua barriga. Enquanto isso, fiquei sentada sob o sol, ao lado da mesa, enxugando os cabelos, remexendo-os vez por outra com os dedos. O mar estava verde.
- Eram exatamente como a parentada da qual eu tinha fugido quando garota. Eu não os suportava e, no entanto, eles não me largavam, estavam todos dentro de mim.
- Procurara se ver no espelho como era antes de pôr no mundo aquele organismo, antes de se condenar para sempre a adicioná-lo ao seu. Mas para quê?
- Em outras palavras, quanto mais eu me sentia próxima delas, mais parecia não carregar a responsabilidade por seus corpos. Mas aquela proximidade estranha era rara. Os incômodos, os desgostos, os conflitos delas tornavam a se impor, continuamente, e eu me amargurava, sentia culpa. De alguma maneira, eu era sempre a origem e o ponto de fuga dos sofrimentos delas.
- Desde o início da adolescência das minhas filhas, fui tomada pela obsessão de compará-las com garotas da mesma idade, amigas íntimas e colegas de escola que eram consideradas bonitas e faziam sucesso. De um modo confuso, eu as considerava rivais das duas garotas, como se a autoconfiança, a sedução, a graça e a inteligência excepcionais delas tirassem algo das minhas filhas e, de alguma forma obscura, de mim.
- Eu sentia a necessidade de escutar o som da minha voz, colocá-la sob controle graças à voz de outra pessoa.
mar 15 2024 ∞
mar 15 2024 +