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  • Há manhãs em que desço as persianas para não ver a cidade, tal como outrora recusava encarar minha mãe doente. Sei que às vezes o mar acorda manchado de preto ou de um marrom espumoso, umas sombras que se alastram do pé da montanha até a praia. Sei dos meninos da favela que mergulham e se esbaldam no esgoto do canal que liga o mar à lagoa. Sei que na lagoa os peixes morrem asfixiados e seus miasmas penetram nos clubes exclusivos, nos palácios suspensos e nas narinas do prefeito. Não preciso ver para saber que as pessoas se jogam de viadutos, que urubus estão à espreita, que no morro a polícia atira pra matar. Apesar de tudo, assim como venero a mulher incauta que me deu à luz, estarei condenado a amar e cantar a cidade onde nasci.
feb 7 2023 ∞
dec 15 2024 +