“Escrevo-te porque não me entendo.”

“Liberdade é pouco. O que desejo ainda não tem nome. – Sou pois um brinquedo a quem dão corda e que terminada esta não encontrará vida própria, mais profunda.”

“Quem já não se perguntou: sou um monstro ou isso é ser uma pessoa?”

“Agora um pedido: Não me corrija. A pontuação é a respiração da frase, e minha frase respira assim. E se você me achar esquisita, respeite também. Até eu fui obrigada a me respeitar.”

“Salva a alma presa, salva a pessoa que se sente inútil, salva o dia que se vive e que nunca se entende a menos que se escreva. Escrever é procurar entender, é procurar reproduzir o irreproduzível, é sentir até o último fim o sentimento que permaneceria apenas vago e sufocador. Escrever é também abençoar uma vida que não foi abençoada. Que pena que só sei escrever quando espontaneamente a “coisa” vem. Fico assim à mercê do tempo.”

“Gosto de um modo carinhoso do inacabado, do malfeito, daquilo que desajeitadamente tenta um pequeno voo e cai sem graça no chão.”

“…cada dia é um dia roubado da morte.”

“Pois há momentos em que a pessoa está precisando de uma pequena mortezinha e sem nem ao menos saber.”

“A vida é um soco no estômago.”

“E quando acaricio a cabeça de meu cão – sei que ele não exige que eu faça sentido ou me explique.”

“Até cortar os próprios defeitos pode ser perigoso. Nunca se sabe qual é o defeito que sustenta nosso edifício inteiro.”

“Não quero ter a terrível limitação de quem vive apenas do que é passível de fazer sentido. Eu não: quero uma verdade inventada.”

“Que minha solidão me sirva de companhia. Que eu tenha a coragem de me enfrentar. Que eu saiba ficar com o nada e mesmo assim me sentir como se estivesse plena de tudo.”

“Estou absolutamente cansado de literatura; só a mudez me faz companhia. Se ainda escrevo é porque nada mais tenho a fazer no mundo enquanto espero a morte. A procura da palavra no escuro. O pequeno sucesso me invade e me põe no olho da rua. Eu queria chafurdar no lodo, minha necessidade de baixeza eu mal controlo, a necessidade da orgia e do pior gozo absoluto. O pecado me atrai, o que é proibido me fascina. Quero ser porco e galinha e depois matá-los e beber-lhes o sangue.”

“Enquanto eu imaginar que “Deus” é bom só porque eu sou ruim, não estarei amando a nada: será apenas o meu modo de me acusar. Eu, que sem nem ao menos ter me percorrido toda, já escolhi amar o meu contrário, e ao meu contrário quero chamar de Deus.”

“Ah, se eu sei, não nascia, ah, se eu sei, não nascia. A loucura é vizinha da mais cruel sensatez. Engulo a loucura porque ela me alucina calmamente. O anel que tu me deste era de vidro e se quebrou e o amor não acabou, mas em lugar de, o ódio dos que amam. A cadeira me é um objeto. Inútil enquanto a olho. Diga-me por favor que horas são para eu saber que estou vivendo nesta hora.”

“De mim no mundo quero te dizer da força que me guia e me traz o próprio mundo, da sensualidade vital de estruturas nítidas, e das curvas que são organicamente ligadas a outras formas curvas. Meu grafismo e minhas circunvoluções são potentes e a liberdade que sopra no verão tem a fatalidade em si mesma. O erotismo próprio do que é vivo está espalhado no ar, no mar, nas plantas, em nós, espalhado na veemência de minha voz, eu te escrevo com minha voz. E há um vigor de tronco robusto, de raízes entranhadas na terra viva que reage dando-lhes grandes alimentos. Respiro de noite a energia. E tudo isto no fantástico. Fantástico: o mundo por um instante é exatamente o que meu coração pede. Estou prestes a morrer-me e constituir novas composições. Estou me exprimindo muito mal e as palavras certas me escapam. Minha forma interna é finamente depurada e no entanto o meu conjunto com o mundo tem a crueza nua dos sonhos livres e das grandes realidades. Não conheço a proibição. E minha própria força me libera, essa vida plena que se me transborda. E nada planejo no meu trabalho intuitivo de viver: trabalho com o indireto, o informal e o imprevisto.”

    • Clarice Lispector
dec 21 2025 ∞
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