"A sociedade faz questão de ignorar o que se passa no interior dos presídios. Tem lógica: se todos concordam que a finalidade da pena é apenas castigar os que cometeram delitos, por que haveria interesse em assegurar condições mais dignas de aprisionamento? Nossas cadeias são construídas com o objetivo de punir marginais e de retirá-los das ruas, não com o intuito de recuperá-los para o convívio social. Preocupações de caráter humanitário com o destino dos condenados só ganharão força no dia em que os criminosos das famílias mais influentes forem parar nas mesmas celas que os filhos dos mais pobres.

(...)

Até a morte dos 111, a Detenção só havia aparecido nos noticiários de rádio e tv e nas primeiras páginas de jornais por ocasião da tentativa de fuga à mão armada que ocorreu em 1982 (...) É inacreditável que um presídio daquelas dimensões tenha permanecido em anonimato silencioso por quase meio século, a despeito do entra e sai diário dos caminhões de entrega para prover as necessidades de uma população maior que a de muitas cidades, acrescido de filas quilométricas formadas por milhares de mulheres e crianças nos fins de semana, numa das avenidas mais movimentadas de São Paulo. A única explicação para esse fenômeno está na invisibilidade social reservada aos excluídos.

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Como essa escória social tem suas origens na periferia da cidade, bairros e vilas por onde um bem-nascido jamais se aventura, seus membros enfrentam preconceito duplo: o primeiro por viver fora da lei, o segundo por ser pobre. Se tiverem pele escura, então, a discriminação será tripla. Se os considerarmos todos iguais, bandidos perversos e impiedosos, independentemente do que tenham feito ou deixado de fazer, por que motivo nos importaríamos com a sorte dessa laia? Que mofem como feras enjauladas até que a morte os leve as profundezas do inferno. Dar-lhes comida e moradia gratuita já não é um fardo insuportável que o mundo civilizado nos obriga a carregar?"

(Drauzio Varella, Carcereiros, págs. 192-195)

sep 3 2018 ∞
sep 3 2018 +