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"O desaparecimento da alteridade significa que vivemos numa época pobre de negatividades. É bem verdade que os adoecimentos neuronais do século XXI seguem, por seu turno, sua dialética, não a dialética da negatividade, mas a da positividade. São estados patológicos devidos a um exagero de positividade."
"A violência da positividade não é privativa, mas saturante; não excludente, mas exaustiva. Por isso é inacessível a uma percepção direta."
"É interessante notar que há uma influência mútua entre cursos sociais e biológicos. Ciências não estão livres de dispositivos que não sejam de origem científica."
"A sociedade disciplinar de Foucault, feita de hospitais, asilos, presídios, quartéis e fábricas, não é mais a sociedade de hoje. Em seu lugar, há muito tempo, entrou uma outra sociedade, a saber, uma sociedade de academias de fitness, prédios de escritórios, bancos, aeroportos, shopping centers e laboratórios de genética. A sociedade do século XXI não é mais a sociedade disciplinar, mas uma sociedade de desempenho. Também seus habitantes não se chamam mais "sujeitos da obediência", mas sujeitos de desempenho e produção."
"A sociedade disciplinar é uma sociedade da negatividade. É determinada pela negatividade da proibição. O verbo modal negativo que a domina é o não-ter-o-direito. Também ao dever inere uma negatividade, a negatividade da coerção. A sociedade de desempenho vai se desvinculando cada vez mais da negatividade. Justamente a desregulamentação crescente vai abolindo-a. O poder ilimitado é o verbo modal positivo da sociedade de desempenho. O plural coletivo da afirmação Yes, we can expressa precisamente o caráter de positividade da sociedade de desempenho. No lugar de proibição, mandamento ou lei, entram projeto, iniciativa e motivação. A sociedade disciplinar ainda está dominada pelo não. Sua negatividade gera loucos e delinquentes. A sociedade do desempenho, ao contrário, produz depressivos e fracassados."
"A lamúria do indivíduo depressivo de que nada é possível só se torna possível numa sociedade que crê que nada é impossível."
"O excesso de positividade se manifesta também como excesso de estímulos, informações e impulsos. Modifica radicalmente a estrutura e economia da atenção. Com isso se fragmenta e explica a atenção. Também a crescente sobrecarga de trabalho torna necessária uma técnica específica relacionada ao tempo e à atenção, que tem efeitos novamente na estrutura da atenção. A técnica temporal e de atenção multitarefa não representa nenhum progresso civilizatório. A multitarefa não é uma capacidade para a qual só seria capaz o homem na sociedade trabalhista e de informação pós-moderna. Trata-se antes de um retrocesso. A multitarefa está amplamente disseminada entre os animais em estado selvagem. Trata-se de uma técnica de atenção, indispensável para sobreviver na vida selvagem"
"Walter Benjamin chama a esse tédio pro-fundo de um "pássaro onírico, que choca o ovo da experiência". Se o sono perfaz o ponto alto do descanso físico, o tédio profundo constitui o ponto alto do descanso espiritual. Pura inquietação não gera nada de novo. Reproduz e acelera o já existente. Benjamin lamenta que esse ninho de descanso e de repouso do pássaro onírico esteja desaparecendo cada vez mais na modernidade."
"Por falta de repouso, nossa civilização caminha para uma nova barbárie. Em nenhuma outra época os ativos, isto é, os inquietos, valeram tanto. Assim, pertence às correções necessárias a serem tomadas quanto ao caráter da humanidade fortalecer em grande medida o elemento contemplativo."
"No Crepúsculo dos ídolos, Nietzsche formula três tarefas, em vista das quais a gente precisa de educadores. Devemos aprender a ler, devemos aprender a pensar, devemos aprender a falar e a escrever. A meta desse aprendizado seria, segundo Nietzsche, a "cultura distinta". Aprender a ver significa "habituar o olho ao descanso, à paciência, ao deixar-aproximar-se de si", isto é, capacitar o olho a uma atenção profunda e contemplativa, a um olhar demorado e lento."
"Reagir de imediatamente e seguir a todo e qualquer impulso já seria uma doença, uma decadência, um sintoma de esgotamento. Aqui, Nietzsche nada mais propõe que a revitalização da vita contemplativa. Essa vida não é um abrir-se passivo que diz sim a tudo que advém e acontece. Ao contrário, ela oferece resistência aos estímulos opressivos, intrusivos. Em vez de expor o olhar aos impulsos exteriores, ela os dirige soberanamente. Enquanto um fazer soberano, que sabe dizer não, é mais ativa que qualquer hiperatividade, que é precisamente um sintoma de esgotamento espiritual."
"O sujeito do desempenho se realiza na morte. Realiza-se e autodestruir-se, aqui, coincidem."
"A "alegria" que se encontra nas redes sociais de relacionamento tem sobretudo a função de elevar o sentimento próprio narcísico. Ela forma uma massa de aplausos que dá atenção ao ego exposto ao modo de uma mercadoria."
"A economia capitalista absolutiza a sobrevivência. Ela se nutre da ilusão de que mais capital gera mais vida, que gera mais capacidade para viver. A divisão rígida, rigorosa entre vida e morte marca a própria vida com uma rigidez assusta-dora. A preocupação por uma boa vida dá lugar à histeria pela sobrevivência."
"A festa é o evento, o lugar onde estamos junto com os deuses, onde inclusive nós próprios nos tornamos divinos. Os deuses se alegram quando os seres humanos jogam e brincam; os seres hu-manos jogam e brincam para os deuses. Se vi-vemos numa época sem festa, se vivemos numa época desprovida de celebrações, já não temos mais qualquer relação com o divino."
"No livro de Platão chamado Nomoi (As leis), diz-se o seguinte: Mas o homem foi feito para ser um brinquedo de Deus, e isso é realmente o melhor que há nele. Assim, pois, cada um, tanto um varão quanto uma mulher, seguindo essa instrução e jogando os mais belos jogos deve viver a vida. Deve-se viver brincando e jogando [...], fazendo oferendas, cantando e dançando, para poder despertar a graça dos deuses [...]."
"Rituais de sacrifícios ou de oferendas são originalmente refeições comuns com os deuses. Festas e rituais abrem um acesso ao divino. Por toda parte onde trabalhamos e produzimos não estamos junto aos deuses nem tampouco somos divinos. Os deuses nada produzem. Eles tampouco trabalham. Talvez devêssemos reconquistar aquela divindade, aquela festividade divina, em vez de continuarmos sendo escravos do trabalho e do desempenho. Deveríamos reconhecer que hoje perdemos aquela festividade, aquele tempo de celebração na medida em que absolutizamos trabalho, desempenho e produção. O tempo de trabalho que hoje está se universalizando destrói aquela época celebrativa como tempo de festa."
"O tempo de celebração é um tempo pleno, em contraposição ao tempo de trabalho, como tempo vazio, que deve ser simplesmente preenchido, que se move entre tédio e ocupação. A festa, ao contrário, realiza um instante de elevada intensidade vital. Hoje, a vida está perdendo cada vez mais intensidade. A vida sadia como sobrevivência é o nível absolutamente mais baixo da vida. E hoje, é ainda possível haver festa? É claro que existem festas hoje em dia. Não são, porém, festas no sentido verdadeiro. Tanto a palavra festa quanto festival remontam à palavra latina festus. Festus significa uma referência aos dias definidos para ações religiosas. As festas ou festivais de hoje são eventos ou espetáculos. A temporalidade do evento é contrária à temporalidade da festa. O evento remonta à palavra latina eventus. Eventus significa: vir a acontecer de repente, acontecer. Sua temporalidade é a eventualidade. A eventualidade pode ser qualquer coisa, menos necessidade de tempo celebrativo. É a temporalidade da pró-pria sociedade atual que perde contato com tudo que é vinculativo, com tudo que estabelece laços."