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"Sou assombrada pelos meus fantasmas, pelo que é mítico e fantástico ― a vida é sobrenatural. E eu caminho em corda bamba até o limite de meu sonho. As vísceras torturadas pela voluptuosidade me guiam, fúria dos impulsos. Antes de me organizar, tenho que me desorganizar internamente. Para experimentar o primeiro e passageiro estado primário de liberdade. Da liberdade de errar, cair e levantar-me.
Mas se eu esperar compreender para aceitar as coisas ― nunca o ato de entrega se fará. Tenho que dar o mergulho de uma só vez, mergulho que abrange a compreensão e sobre tudo a incompreensão. E quem sou eu para ousar pensar? Devo é entregar-me. Como se faz? Sei porém que só andando é que se saber andar e ― milagre ― se anda.
Eu, que fabrico o futuro como uma aranha diligente. E o melhor de mim é quando nada sei e fabrico não sei o quê.
Eis que de repente vejo que não sei nada. O gume de minha faca está ficando cego? Parece-me que o mais provável é que não entendo porque o que vejo agora é difícil: estou entrando sorrateiramente em contato com uma realidade nova pra mim e que ainda não tem pensamentos correspondentes, e muito menos ainda alguma palavra que a signifique. É mais uma sensação atrás do pensamento". — Clarice Lispector, Água-Viva.