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a poeta

  • ''Nasci aqui mesmo no Rio de Janeiro, três meses depois da morte de meu pai, e perdi minha mãe antes dos três anos. Essas e outras mortes ocorridas na família acarretaram muitos contratempos materiais, mas, ao mesmo tempo, me deram, desde pequenina, uma tal intimidade com a Morte que docemente aprendi essas relações entre o Efêmero e o Eterno. Minha infância de menina sozinha deu-me duas coisas que parecem negativas, e foram sempre positivas para mim: silêncio e solidão. Essa foi sempre a área de minha vida. Área mágica, onde os caleidoscópios inventaram fabulosos mundos geométricos, onde os relógios revelaram o segredo do seu mecanismo, e as bonecas o jogo do seu olhar. Mais tarde foi nessa área que os livros se abriram, e deixaram sair suas realidades e seus sonhos, em combinação tão harmoniosa que até hoje não compreendo como se possa estabelecer uma separação entre esses dois tempos de vida, unidos como os fios de um pano.''
  • ''Tenho um vício terrível. Meu vício é gostar de gente. Você acha que isso tem cura? Tenho tal amor pela criatura humana, em profundidade, que deve ser doença. Em pequena (eu era uma menina secreta, quieta, olhando muito as coisas, sonhando) tive tremenda emoção quando descobri as cores em estado de pureza, sentada num tapete persa. Caminhava por dentro das cores e inventava o meu mundo. Depois, ao olhar o chão, a madeira, analisava os veios e via florestas e lendas. Do mesmo jeito que via cores e florestas, depois olhei gente. Há quem pense que meu isolamento, meu modo de estar só (quem sabe se é porque descendo de gente da Ilha de São Miguel em que até se namora de uma ilha pra outra?), é distância quando, na realidade, é a minha maneira de me deslumbrar com as pessoas, analisar seus veios, suas florestas.''
  • ''Uma das coisas que mais me encantavam em minha vida de infância era o eco que vivia em casa de minha avó. Eu vivia procurando o meu eco. Mas tinha vergonha de perguntar. Recolhida, tímida, deslumbrada, me debruçava no mistério das palavras e do mundo. Queria saber, mas tinha imenso pudor de confessar minha ignorância.''
  • ''Você sabe que eu tenho muito medo da literatura que é só literatura e que não tenta comunicar?''
  • ''Vivo constantemente com fome de acertar. Sempre quase digo o que quero. Para transmitir, preciso saber. Não posso arrancar tudo de mim mesma sempre.''
  • ''Mas comigo aconteceu uma coisa deliciosa, deixe-lhe contar. Neste Natal eu estava doente em São Paulo. Pois bem. Ao voltar para esta minha casa (Cecília vive ao lado do bondinho que sobe pro Corcovado) encontrei cartões de gente de todos os cantos do mundo que se lembrou de mim. De todas as raças e religiões. Todos unidos pelo Natal. E o mais curioso é que eu olhava um cartão e outro e dizia comigo mesma: 'Fulano talvez não combine com Beltrano, mas eu servi de elo entre os dois. A mim eles escreveram!' Me fez um bem enorme aquele meu Natal atrasado!''
  • ''Se eu inventei palavras? Não. Isto nunca me preocupou. No inventar há um certa dose de vaidade. 'In­ventei. É meu'. O que me fascina é a palavra que descubro, uma palavra antiga abandonada e que já pertenceu a tanta gente que a viveu e sofreu.''
  • ''Tenho amigos em toda parte. Mas sou feito o Drummond que é tão amigo quase sem a presença física. Esse meu jeito esquivo é porque eu acho que cada ser humano é sagrado, compreende? Eu sou uma criatura de longe. Não sei se me querem mas eu quero bem a tanta gente! Sou amiga até dos mortos. Amiga de muita gente que nem conheci. Você não imagina quanta gente eu levo ao meu lado. E fico emocionada quando penso como uma criatura só recebe tanto de tantos lados, de tantas pessoas, de tantas gerações!''
  • ''Nunca esperei por momento algum na vida. Vou vivendo todos os momentos da melhor maneira que posso. Quero realizar coisas, não para ser a autora, mas para dar-me, para contribuir em benefício de alguém ou de alguma coisa.''
  • ''Tenho muita pena dos poemas que não escrevo. E também muita dos que escrevo.''
  • ''Tenho, nos lugares mais diferentes, amigos à minha espera. Você já reparou que, entre centenas, em cada país, nós temos sempre aquela pessoa, que, sem mesmo saber, espera por nós e, quando nos encontra, é para sempre?''
  • ''Quando falo dessas pequenas felicidades certas, que estão diante de cada janela, uns dizem que essas coisas não existem, outros que só existem diante das minhas janelas, e outros, finalmente, que é preciso aprender a olhar, para poder vê-las assim.''

os poemas

  • ''Pois aqui estou, cantando. // Se eu nem sei onde estou, // como posso esperar que algum ouvido me escute? // Ah! Se eu nem sei quem sou, // como posso esperar que venha alguém gostar de mim?''
  • ''Nós merecemos a morte, // porque somos humanos // e a guerra é feita pelas nossas mãos, // pela nossa cabeça embrulhada em séculos de sombra, // por nosso sangue estranho e instável, pelas ordens // que trazemos por dentro, e ficam sem explicação.''
  • ''Minhas mãos ainda estão molhadas // do azul das ondas entreabertas, // e a cor que escorre de meus dedos // colore as areias desertas.''
  • ''Sei que canto. E a canção é tudo. // Tem sangue eterno a asa ritmada. // E um dia sei que estarei mudo: // — mais nada.''
  • ''Na quermesse da miséria, // fiz tudo o que não devia: // se os outros se riam, ficava séria; // se ficavam sérios, me ria.''
  • ''Basta-me um pequeno gesto, // feito de longe e de leve, // para que venhas comigo // e eu para sempre te leve...''
  • ''Que procuras? Tudo. Que desejas? — Nada. // Viajo sozinha com o meu coração. // Não ando perdida, mas desencontrada. // Levo o meu rumo na minha mão.''
  • ''Porque a vida, a vida, a vida, // a vida só é possível // reinventada.''
  • ''Eu deixo aroma até nos meus espinhos // ao longe, o vento vai falando de mim. // E por perder-me é que vão me lembrando, // por desfolhar-me é que não tenho fim.''
  • ''E minha alma, sem luz nem tenda, // passa errante, na noite má, // à procura de quem me entenda // e de quem me consolará...''
  • ''Não me encontro com ninguém // (tenho fases, como a lua…) // No dia de alguém ser meu // não é dia de eu ser sua…''
  • ''Permite que eu volte o meu rosto // para um céu maior que este mundo, // e aprenda a ser dócil no sonho // como as estrelas no seu rumo.''
  • ''Eu te esperei todos os séculos // sem desespero e sem desgosto, // e morri de infinitas mortes // guardando sempre o mesmo rosto.''
  • ''Eu não dei por esta mudança, // tão simples, tão certa, tão fácil: // - Em que espelho ficou perdida // a minha face?''
feb 7 2019 ∞
feb 7 2019 +