Minha professora de redação me ensinou que uma das formas de começar um bom texto é com uma definição de dicionário que se aplique ao tema em questão. E esse é o máximo de conhecimento "ginasiano" que eu estou disposta a resgatar para dar início a escrever isso aqui. Pois bem: vida “tempo que vai do nascimento à morte”. Bem assim, prático, rápido e direto, sem rodeios. Não explica nada em relação ao que acontece no meio do caminho. Para começar, o dicionário é só um grande livro cheio de palavras, mas onde não estão todas as coisas do mundo, apenas os seus nomes e breves definições vagas delas. Faço essa observação porque sempre foi a grande diferença entre as pessoas e eu: elas acreditam que as palavras são as coisas do mundo e eu, em troca, sei que são apenas pedaços de sons e as coisas do mundo existem sem precisar das palavras. E era sobre pensar que eu estava pensando quando alguém de repente me abraça forte e familiar, por trás e me trás de volta à realidade, naquela varanda da casa de praia dos meus pais, onde eu estava tomando uma taça de Chandon Rosé.

- Não estava começando uma festinha sem mim, estava? – Alana, minha grande amiga que acabara de chegar, falou enquanto me dava um leve tapinha na bunda, antes de sumir no quarto já jogando toda suas roupas da mala em cima da cama.

- Estou tão feliz que tenha chegado cedo, assim você me ajuda nos últimos detalhes para hoje à noite. - Tentei tapear.

- Últimos? Enquanto você andava distraída tomando uma bela taça de champagne em plena luz do dia sozinha em sua varanda, fui recebida pela Martha e já sei que nada está encaminhado, mocinha. – Alana realmente me conhece bem e sabe que não sou das pessoas do time das organizadas. Somos amigas desde que me entendo por gente (considerando que demorei um pouco para entender esse lance de “ser gente”, mas isso é assunto para outra ocasião). A minha amiga me conquistou assim que sorriu a primeira vez para mim, quando estávamos a caminho da sala do diretor da escola por algum tipo de mal comportamento (do qual nem me lembro bem), revelando um sorriso com graciosas covinhas, esses buraquinhos para depositar amor.

- Calma, com você aqui teremos tempo para organizar tudo. Mas e você, veio dirigindo até aqui sozinha ou trouxe alguém?

- Onde está aquele meu biquine de estampas tropical novo? Eu jurava que tinha colocado na mala hoje de manhã...aquela russa cretina! – enquanto minha amiga resmungava afogada em seus outros 17 pares de biquines jogados pela cama, fui em direção à sala e tentar dar início na organização dessa festa, que será em comemoração ao retorno de Alana após 3 meses de viagens pela Europa onde fazia temporadas de moda como modelo, pode parecer pouco tempo longe para se fazer uma festa, mas acredite, tudo é motivo de festa para ela, tempo também do qual já está sendo considerada a new face promessa internacional.

- Marthaaa, você viu aquela lista de coisas que vamos precis...Ouch...Oh, desculpe, não sabia que tinha mais alguém em casa. – Foi quando esbarrei numa ruiva de cabelos longos e pernas compridas em seus quase 1.80 de altura. Sim, eu sei, poderia ter finalizado no “ruiva” e não precisaria de mais nenhuma descrição para fazer dela bonita.

- Não, imagina, eu que peço desculpas, cheguei na sua casa e já fui entrando dessa maneira. Você deve ser Elena, eu sou Yasmina, amiga da Alana, viemos juntas no meu carro, mas não tenho certeza se ela havia te avisado que eu viria. Na verdade nem eu sabia, só fiquei sabendo de toda essa festa e que tínhamos que pegar a estrada até aqui quando Alana já estava me explicando qual via expressa devia tomar.

- Totalmente aceitável quando se trata de Alana. Não se preocupe, pelo contrário, vou amar ter mais companhias, e espero que se sinta total à vontade. – Yasmina foi de uma troca profunda de olhar comigo até a caveira de búfalo pendurada na parede bem acima de mim. - Eu sei, a casa é pequena e estranha, mas tem caráter.

- Você está brincando?! Estou fascinada por cada mínimo detalhe desta casa, e olha que eu só estive nesta sala ainda.

- Hahaha, obrigada. Eu admito que sou apaixonada por este lugar e cada pequeno objeto, e é o que eu chamo de amor por tralhas inúteis. É a casa de praia dos meus pais, e cada mínimo detalhe daqui faz parte da história deles e seus quase 20 anos de casados. É uma casa sem andares, apenas térreo, mas bastante ampla, com grandes janelas de vidro no lugar de paredes, que davam para a maravilhosa vista do mar, o grande jardim e a piscina. Enquanto eu me espalhava pelo sofá, orgulhosa ao falar do lugar que eu tanto amava, percebi que Yasmina olhava apenas para mim. Nossa segunda troca de olhares foi interrompida por uma Alana usando biquines de estampas, cores e modelos diferentes, acredito, uma desistência na procura pelo biquine de estampas tropicais.

- Meus amores, chega de papinho, aliás, que bom que vocês já se conheceram sem que eu precise fazer a mão. Agora se apressem porque temos um longo dia pela frente para deixar esta casa pronta para uma noite de agitação. Go, Go, Go!

Depois de horas de arrumação, recheadas de broncas levadas pela Alana, muitas ideias criativas de Yasmina, grande ajuda (leia-se tudo) da Martha em relação às comidas e bebidas a serem servidas, eu estava exausta, mas orgulhosa da decoração repleta de pequenas luzes, daquelas que usamos no natal, velas espalhadas por toda parte e tochas na área do jardim. O resultado? Ambientes aconchegantes, com cara de luau, mas que dava vontade de curtir como uma balada, do jeito que Alana preza. Enquanto fui tomar banho e me arrumar, os amigos e convidados foram chegando. Quando saí no terraço a casa já estava completamente cheia, ocupada por alguns rostos conhecidos e outros que jamais vi, mas todos de boa aparência e com ar festivo e relaxado. Assim que me viu, Alana veio em minha direção, deslumbrante num mini vestido tubinho, de seda azul marinho e estampado florais na frente, perfeito com seu tom de pele bronzeado e cabelos loiro liso caindo por sobre os ombros e suas pernas longas livres para serem admiradas. - Finalmente você decidiu aparecer. Venha, preciso exibir minha amiga preferida para estas pessoas. Ah, claro, e você está sem sutiã! - Completou, sussurrando em meu ouvido assim que concluiu este pequeno detalhe. Ela sempre faz questão de ressaltar essa minha característica de não usar esse objeto superestimado pelas mulheres. Não me leve a mal, eu tenho orgulho daquelas mulheres corajosas, cansadas de tanta opressão que finalmente, em meados dos anos 60, marcaram a história com o episódio conhecido como Bra-Burning. Não é por falta de valorização, eu apenas gosto de estar com os seios livres e desfrutar do presente me dado por Deus, que ao contrário do que muitas mulheres desejam, amo tê-los pequenos, do tamanho ideal que combinam muito bem com a minha falta de preocupação. Tamanhos estes, que caíram perfeitamente com meu vestido leve e esvoaçante, amarelo pastel de costas nuas, combinados com meu recém adquirido tênis de cano alto Gucci laranja neon, que Alana trouxe de sua temporada européia. Como uma boa surfista, minha pele estava devidamente bronzeada, meus cabelos acinzentados e não penteados cobriam parte de toda pele à mostra.

Depois de ter sido apresentada à vários de seus amigos, dos quais já nem me lembro os nomes, precisava de uma boa bebida e procurar um lugar menos cheio para relaxar. - Droga, o chato desses vestidos é que não tem onde guardar cigarros. Wow! Preciso ressaltar mais uma vez o bom trabalho da Martha, ela conseguiu fazer uma ótima mesa de bebidas e drinks. Humm, morangos. - Deixa eu adivinhar, você além de surfar, anda de skate! Escuto alguém me dizer e me viro, e lá está definitivamente para o que eu não estava preparada: O sorriso mais incrível deste planeta (“planeta” parece tão maior que “mundo” né mesmo?). Diastema, é o que este garoto alto, de pele ensolarada, cabelos castanhos desgrenhados que apontam para todos os lados, postura despojada e olhos aconchegantes (não consigo decifrar a cor). Mas todo seu evidente charme estava naquele pequeno afastamento entre seus dentes da frente. - Longboard, na verdade. - Consigo finalmente dizer. - Humm, uma garota radical. Devo dizer, um vestido um tanto quanto delicado para alguém tão radical. - Pois devo dizer, que você é um tanto quanto sensitivo demais para alguém que quer parecer tão malandro usando um boné aba reta. (Segundo minha vó, quem os usa é bandido. Mas quero um estudo comprovando de que aba reta aumenta a predisposição ao crime.) - Ok, bem colocado! Então me diz, qual o seu favorito? - Qual meu esporte radical favorito? Além de confiar nas pessoas? - Ele me presenteou novamente com sua frestinha entre os dentes. Isso ainda vai me matar, sem zueira... A partir daí não consegui ouvir mais nada, nessa hora a música chegou a todo volume, podemos dizer que foi o momento que a festa realmente começou, nos juntamos ao resto da galera, Alana tinha assumido o microfone no pequeno palquinho improvisado pela banda formada por integrantes variados e evidentemente sem ensaio prévio algum, e com certeza era isso que os fazia parecer tão divertidos, até que perdi “o moço diastemado” de vista, aliás, qual é mesmo o nome dele?

Após alguns muitos drinks e baseados compartilhados, ao som que ia de The Killers a Red Hot Chilli Papers, o que acredito já ser mais de 4 horas da manhã, finalmente sentei no terraço da piscina que dava para vista do mar, sozinha deitei na grande chaise redonda de palha. - E o prêmio de melhor apresentação da noite vai para: Elena, no melhor cover de Lana Del Rey! - Sem que eu desse conta, Yasmina havia se aproximado. - Não acredito que você viu aquilo. - Com certeza eu não ia perder o melhor momento da noite. – De repente minhas bochechas pareciam estar queimando. - Responda rápido, pêssego ou floral? – perguntei. - Floral. Mas do que você está falando? - Depressa, fui até o pequeno armário logo abaixo do bar que havia no terraço e voltei com uma narguilé em uma mão e um pequeno potinho de essência floral e tabaco na outra. - Prepare-se para o verdadeiro melhor momento da sua noite! – Preparei a essência, a base com água e o carvão. – Aqui, pegue a sua. – Ofereci uma das duas pequenas mangueirinhas à Yasmina. - E estamos prontas para a companhia da Paiyatuma. - Quem? - É como é chamada a Deusa do nascer do sol segundo a mitologia californiana. - Você é mesmo genial. E já esteve na Califórnia? - Algumas vezes. Um dos meus lugares favoritos, e se pensar bem, só viajei para lugares que tenham praia, era uma tradição minha e do meu pai, ele surfava e todo tempo que tínhamos aproveitávamos dentro do mar. E você? Como modelo, imagino que deve viajar bastante. - Só estive na Europa, em vários países, mas geralmente em lugares frios e cinzentos, mas na realidade estou sempre pela Rússia, tenho família lá. - Ah, então você é a “russa cretina” que Alana falava mais cedo! - Hahaha, eu mesma! - Ela deu um mini sorriso e percebi que seu rosto ficava ainda mais sutil com ele. Engraçado, apesar do seu tom de cabelo ela não tem uma sarda se quer, é simplesmente um veludo que eu resisti à não tocar. - Gosto das suas sardas. – Disse-me. Verdade, eu por minha vez tenho demasiado delas. Será que ela ler pensamentos? O sol calmamente foi saindo do mar e ficamos ali, fumando narguilé muito confortáveis em nosso silêncio. Eu só conseguia pensar o quanto eu queria conhecer mais essa garota que estava do meu lado com os cabelos ruivos que ficavam ainda mais impressionantes com a luz que batia nos fios delicadamente. O sol nasceu, e com ele eu.

jan 29 2014 ∞
jan 29 2014 +