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em certas ocasiões, o destino se assemelha a uma pequena tempestade de areia, cujo curso se altera. você procura fugir dela e orienta seus passos noutra direção. mas então, a tempestade também muda de direção e o segue. você muda mais uma vez o seu rumo. a tempestade faz o mesmo e te acompanha. as mudanças se repetem muitas e muitas vezes, como num balé macabro que se dança com a deusa da morte antes do alvorecer. isso acontece porque a tempestade não é algo independente, vindo de um local distante. a tempestade é você mesmo. algo que existe no seu íntimo. portanto, o único recurso que lhe resta é se conformar e corajosamente pôr um pé dentro dela, tapar olhos e ouvidos com firmeza a fim de evitar que se encham de areia e atravessá-la passo a passo até emergir do outro lado.
mas Nakata não temia nem a escuridão nem a profundidade. por que haveria de temê-las? esse mundo escuro cujo fundo não avistava, assim com o pesado silêncio e o caos há muito construíam uma entidade amiga e repleta de nostalgia e eram agora parte dele mesmo.
e então compreendo que certo tipo de perfeição só se atinge pelo infinito acúmulo de imperfeições. isso me dá coragem.
você tem medo da imaginação. e dos sonhos mais ainda. assim como da responsabilidade que começa nos sonhos. contudo, não pode deixar de dormir e, se dormir, os sonhos virão. se está desperto, pode conter a imaginação. mas não os sonhos.
a felicidade é invariável. mas a infelicidade apresenta inúmeras facetas, se modifica de pessoa pra pessoa. exatamente como disse Tolstoi. a felicidade é uma alegoria, a infelicidade é uma história.
meu caro Kafka Tamura, existe um ponto em nossas vidas em que voltar atrás já não nos é permitido. e também um ponto, esse mais raro, em que não podemos mais avançar. alcançados tais pontos, só nos resta aceitá-los, para o bem ou para o mal. é desta maneira que todos nós vivemos.
mas a mentalidade tacanha e a intolerância resultantes da ausência de imaginação e são como parasitas: transformam seus hospedeiros, metamoforseiam-se e continuam a existir. não há salvação para elas
ser ou não bom da cabeça não é importante. interessa apenas que a gente veja as coisas com os próprios olhos
coisas acontecem uma após as outras em torno de mim, Oshima. algumas porque eu quis, mas outras nada têm a ver com o fato de eu querer ou não. só que, ultimamente, não consigo mais perceber a diferença entre elas. sinto que mesmo as coisas que eu quis que acontecessem tinham sido programadas para acontecer muito antes de eu ter querido, entende? como se eu estivesse apenas executando fielmente coisas que alguém programou para mim nalgum lugar. e que tudo é vão, que não adianta eu me empenhar ou me matar de tanto pensar. ou melhor, que quanto mais me esforço, mais vou deixando de ser eu mesmo. que vou me afastando cada vez mais do meu próprio caminho. e essa sensação é muito dolorosa.
a vida não tem sentido sem uma revelação. o mais importante é sair da razão que observa e ir para a razão que age.
tudo o que existe está em pleno movimento. terra, tempo, conceitos, amor, vida, crença, justiça, bem e mal. tudo é fluido e transitório. nada existe que se perpetue no mesmo lugar e na mesma forma.
todos nós somos destruídos e desaparecemos porque o mundo se estrutura sobre destruição e perda. nossa existência é apenas um teatro de sombras desse princípio.
o que existe externamente é uma projeção do que existe em você, e o que existe em você é a projeção do que existe externamente. assim sendo, muitas vezes, ao pôr o pé no labirinto externo, você está ponto o pé num labirinto existente em você, como joão e maria entrando na floresta.
é que palavras não descrevem corretamente os fatos. porque a verdadeira resposta não pode ser dada em palavras.
você tem de se ver frente a frente com a morte, conhecê-la e vencê-la. no fundo do redemoinho, você pensa em muitas coisas e, num certo sentido, faz amizade com a morte, conversa com ela de uma maneira franca.
como num velho sonho de sentido ambíguo, o tempo recai pesado sobre você, que continua a se mover, procurando passar por ele. mas dele provavelmente não será capaz de fugir mesmo que vá até a borda do mundo. ainda assim, você tem de ir até lá. pois há coisas que só podem ser feitas na borda do mundo.