- Perdoa-me.Por anos te mantive faminta. Negando-te o pão básico da aceitação.Perdoa as migalhas que aceitei como banquete, enquanto a fome verdadeira roía minhas entranhas.
As vezes que confundi admiração com amor, bebendo veneno para saciar a sede de validação. Perdoa-me por cada espelho que quebrei, não suportando o reflexo que me encarava de volta. Peço perdão à criança que fui, cuja risada genuína silenciei.Ao adolescente vulnerável que ensinei a construir muralhas.Ao adulto que convenci de que ser autêntico era arriscado demais. Perdoa meus dedos que asfixiaram tua garganta. Por permitir que invadissem minhas fronteiras. Por transformar “não” em “talvez” e “talvez” em “sim”. Por me contrair para caber em espaços nunca feitos para mim.Perdoa-me por enterrar minha raiva sob camadas de polidez. Por lixar minhas arestas. Por esconder meus cantos afiados.Como se suavidade fosse um requisito para ser amado.Perdoa-me por cada hora desperdiçada tentando ser normal.Por confundir silêncio com paz. Por temer meu próprio poder.Por acreditar que merecimento era algo a ser conquistado.Perdoa-me por colecionar cicatrizes como troféus, por romantizar a dor até que parecesse arte. Por construir mausoléus para abrigar minhas pequenas mortes e chamar isto de vida. Por confundir autoflagelo com coragem. Perdoa-me por cada vez que percebi a verdade e voltei a dormir. Por cada despertar que ignorei. Por cada sinal que dispensei. Por preferir o conforto da mentira à dor da honestidade. Não há beleza neste perdão. Não há poesia. Apenas o reconhecimento cru: eu me traí. Hoje, finalmente compreendo: não posso mudar as páginas já escritas, mas posso reivindicar as páginas em branco que me aguardam. E a primeira linha deste novo capítulo é: “Eu me perdoo, e a partir deste momento, prometo nunca mais me abandonar.”Perdoo-me não porque mereço, mas porque preciso.Apenas reconheço: esta dor é minha. Este corpo é meu.Esta vida, por mais imperfeita, é minha para viver.O perdão não é um lugar de chegada, mas um ponto de partida.E hoje, finalmente, começo.