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as pessoas me perguntam: como você foi parar lá? O que querem saber, na verdade, é se existe alguma possibilidade de também acabarem lá.
olhou ao redor, no cinema, para ver se aquilo estava acontecendo com todos, mas as outras pessoas continuavam absortas vendo o filme. saiu correndo, pois a escuridão do cinema, somada à escuridão que inundava sua cabeça, era demais.
às vezes, o mundo do qual viemos nos parece vasto e ameaçador, trêmulo e instável como uma imensa gelatina; outras vezes, é uma miniatura fascinante, girando, reluzente, em sua órbita.
está sã em um mundo insano.
as cicatrizes não têm personalidade. não são como a pele da gente: não mostram a idade ou alguma doença, a palidez ou o bronzeado. não têm poros, pelos ou rugas. são uma espécie de fronha, que protege e esconde o que houver por baixo. por isso as criamos. porque temos algo a esconder.
algum dia poderíamos sair, mas ela estava aprisionada naquele corpo para sempre.
não me lembro se foi e. howard hunt ou g. gordon Liddy quem, durante os interrogatórios do caso watergate, disse que toda noite colocava a mão sobre a chama de uma vela até arder, para se certificar de que aguentaria ser torturado.
nunca “acreditei” nas coisas que via ou pensava ver. mais do que isso, compreendia corretamente cada uma dessas estranhas atitudes.
quando você olha para um rosto e vê uma massa de borracha, é porque teme que seu rosto seja mesmo uma massa de borracha.
robert lowell também não passou por ali durante a minha estada. sylvia plath chegara e partira.
era um dia de primavera desses que trazem esperança: cheio de brisas suaves e delicados aromas de terra aquecida. tempo de suicídio.
“Eu não presto, eu sou o Anjo da Morte, eu sou burra, eu não faço nada direito”
quando o estágio terminava, levavam consigo apenas uma versão melhorada de nós.
enquanto estivéssemos dispostas a continuar transtornadas, não precisaríamos arranjar trabalho ou estudar. conseguiríamos nos esquivar de quase tudo, a não ser de comer e de tomar a medicação.
se a família deixasse de pagar, a internação era suspensa e éramos atiradas nuas em um mundo onde não sabíamos viver.
muitas vezes, a família toda é louca, mas, como não se pode mandar uma família inteira para o hospício, um de seus membros é declarado louco e internado.
não importa o nome que lhe damos – mente, personalidade, alma –, gostamos de pensar que possuímos uma coisa maior do que a soma dos nossos neurônios, uma coisa que nos “anima”. uma lembrança é um processo específico de mudanças celulares em pontos específicos da cabeça.
existe o pensar e, além dele, existe o pensar o pensamento; e essas duas coisas são sentidas de maneiras diferentes.
não é uma boa descrição da adolescência? mal-humorada, inconstante, ligada em modismos, insegura. em outras palavras, insuportável.
minha situação era um sofrimento que ninguém percebia, que eu mesma tinha dificuldade em perceber. era o que eu me dizia sem parar: “você está sofrendo”. essa era a única maneira de entrar em contato comigo mesma.
“Não raro verifica-se um antagonismo social e um pessimismo geral quanto ao futuro.”
a vida exigia habilidades que me faltavam.
a garota e sua música vivem em outro tipo de luz, a luz caprichosa e encoberta da vida, que só permite que nos vejamos e aos outros imperfeitamente, e raras vezes.