Ninguém aguentava mais as idas e vindas de Joker.

Gotham City podia muito bem ser a cidade do caos, mas com ele solto pelas ruas... Tudo tendia a piorar em escala exponencial. Jason era contra mortes desnecessárias, mas a morte dele era vista como extremamente necessária pela maioria – não por Batman, é claro. Quase como um fiel escudeiro, o Morcego insistia em impedir que qualquer um cruzasse a linha por culpa de um dos piores psicopatas conhecidos. “A fucking bat-bullshit”, Jason sempre pensou.

E era por isso que o ex-Robin havia decidido ir, mesmo que sozinho, atrás de Joker. Precisava encerrar aquilo de uma vez por todas-- Ou talvez estivesse se deixando levar fácil demais pelos sentimentos intensos sem a namorada ali para impedi-lo de fazer alguma loucura. Artemis havia voltado para Bana-Mighdall por alguns dias e, apesar de saber que ela estava a salvo, não deixava de ficar ansioso. E estressado. Principalmente estressado.

Houve uma discussão na Mansão após o anúncio feito na televisão. O pai adotivo avisou que Todd não deveria mais agir como Batman e também proibiu terminantemente a interferência de Red Hood. O primeiro tópico até foi aceito de bom grado, se considerar bem; ele havia odiado ter que se manter nas regras do Morcego por aquelas semanas e ainda achava que poderia ter feito um trabalho bem melhor se pudesse seguir os próprios instintos. Mas ficar longe do caso Joker? Fora de cogitação.

Jason chegou a pensar em Cat Demon e, considerando que ultimamente haviam trabalhado juntos algumas vezes, ponderou se ela devia ser avisada das intenções que ele tinha. Pra quê? Logo desistiu. Um dia sem Red Hood por perto não iria matar uma menina como ela – principalmente se era ele quem estava indo atrás da maior ameaça. Sozinho. Tim Drake cuidaria de deixar a própria namorada resfriada em boas mãos, com sorte impedindo que ela fosse empurrada como um reforço na operação de segurança do dia seguinte. Se tivesse azar, pelo menos poderia acompanhá-la.

Cassandra também estava no escritório na hora da discussão entre pai e filho, deve ter lido com todas as ações e reações que o Outlaw seria imparável. Não ia adiantar. Deve ter avisado o pai.

Apesar de Bruce saber de tudo isso, ainda esperava que o filho pródigo o escutasse ao menos dessa vez.

Isso não aconteceu.

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Red Hood emboscou Joker na madrugada seguinte ao atentado. Sabia que Batman e os outros cuidariam da cidade, então sua única preocupação era conseguir caçar e alcançar ele.

Até certo ponto, o plano de Hood funcionou bem. Mas as coisas desandaram rapidamente quando Joker usou, no meio da luta, o fio de seu arpão para enforcar o Outlaw e acabou por conseguir pegar o pé-de-cabra para si. Um ato que deveria ser sem real importância para um homem armado até os dentes – mas Jason só enxergou que havia superestimado sua capacidade de lidar com aquele trauma quando já era tarde demais. Ele ainda tinha as pistolas e outras cartas na manga, mas a visão fez com que o jovem revivesse em questão de segundos o que havia passado como Robin, há muitos anos atrás, no Qurac. O que passou quando foi morto por aquele mesmo monstro que estava na sua frente agora. O monstro que ele jurou parar – e, pela terceira vez, fracassou.

ㅤ── Uma vez passarinho... Sempre um passarinho, não é mesmo? ── Diferente de alguns outros inimigos da família, Joker sabia que Red Hood foi Robin em tempos anteriores – e como não saber? O palhaço fora a única plateia na cena ridícula protagonizada por Batman, Robin e Red Hood. Um passarinho perdido por estar fora de sua gaiola, um passarinho que se sentiu trocado pela mamãe-pássaro.

O sorriso perturbador de Joker e sua risada histérica foram as últimas coisas que Jason conseguiria se lembrar daquele momento; as memórias facilmente iam se confundir com seus traumas antigos. Hood cambaleou e caiu de joelhos no chão após ser golpeado na cabeça com a arma que segundos antes era dele, tendo parte de seu rosto exposto quando o elmo foi quebrado. Usando as mãos como apoio no chão e tentando recuperar o ar que já lhe faltava, olhava para o seu assassino como se ainda tivesse dezesseis anos; como antes, não queria demonstrar medo, mas suas ações o entregavam mais do que qualquer coisa. Ele não devia ter ido sozinho.

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As memórias do “in between” eram muito vagas. Ele foi levado para um lugar tão escuro que dificilmente conseguia enxergar o rosto pálido do homem que o torturava. A única iluminação naquela parte do local era uma lâmpada solitária logo acima do corpo de Jason, quase como um holofote, então era fácil para Joker se misturar às sombras e observar o Outlaw agonizar.

Acorrentado à cadeira que remetia à época do Império Britânico, era impossível sair dali nas condições em que ele se encontrava. Joker fora esperto: a cadeira era pesada e parecia que seu único intuito de existência era aguentar um rapaz de quase 100kg; difícil se movimentar, mais difícil ainda seria quebrá-la e se livrar daquelas correntes. Como ele poderia? Além de tudo, o metal era um excelente condutor de eletricidade. Joker sabia bem e se aproveitou o quanto pôde, utilizando isso em suas torturas. O palhaço não tentava verdadeiramente matá-lo, só estava usando Todd como um passatempo. Queria que aquela criança sofresse. Que ela fosse um peso a mais na consciência de Batman.

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ㅤ── Oh não. ── A voz de Batman talvez nem tenha sido ouvida, o rapaz não moveu sequer um músculo, a cabeça tombada para baixo e o torso acorrentado. ── Jason. ── Suas suspeitas infelizmente estavam corretas desde o começo. Era o pior. Outra vez.

Red Hood estava bem escondido nas profundezas de uma escavação clandestina agora já em desuso, mas que antes era frequentemente utilizada por quem quisesse traficar drogas e armas em Gotham City. O palhaço já não estava naquele túnel e um dos poucos sinais de sua presença foi um bilhete escrito “pResentInho pArA o bAtmAn!!!”. O primeiro ato do Morcego, sem nem pensar, foi verificar o pulso cardíaco do mais jovem na região do pescoço. Estava lá, bastante frágil, mas estava, era toda chance que ele tinha. Batman arrebentou as correntes que prendiam seus tornozelos antes submersos na água, e usou as garras de ferro de seus punhais para destruir as que lhe prendiam o torso. Com um de seus braços conteve Jason que, inerte, quase caiu para a frente com o peso do próprio corpo. Ao deitar-lhe no chão foi que o mais velho notou a marca feita em sua face. “Aquele miserável”.

Bruce puxou de uma vez só a máscara que cobria seu próprio rosto, mais do que nunca ela estava lhe apertando, impedindo-o de respirar. Ou talvez fosse seu pânico? Nem mesmo ele saberia dizer.

Jason não demonstrava reação alguma àquela presença, não tinha a menor ideia de quantos dias haviam se passado desde o início das sessões de tortura. Em sua bochecha esquerda, lá estava o J que foi desenhado na pele... Com um canivete. A ferida profunda ainda sangrava, demonstrando ser recente.

ㅤ── Eu sinto muito, meu filho. Me perdoe. Vai ficar bem. ── Com a respiração profunda, emitiu um sinal em seu comunicador. ── Alfred. Sim, Bruce. Preciso de um favor.

jul 3 2022 ∞
jul 6 2022 +