“... Podemos trabalhar juntos”. As palavras de quase três anos atrás proferidas pelo pai adotivo ecoavam na mente de Jason Todd enquanto a água caía por seu corpo. As dores dos ferimentos recentes não se comparavam com o turbilhão de pensamentos que dilaceravam sua mente naquela madrugada. No que havia se metido dessa vez?

Jason nunca se sentia bem-vindo em lugar nenhum, essa era a verdade. Mesmo estando com outras pessoas, se sentia completamente desconectado, sobrando em todos os níveis possíveis, e era por isso que ele havia escolhido o trabalho solo quando pegou aquele caso.

Podia contar com Artemis? Talvez, mas ele sabia que ela estava em busca de seu o próprio lugar no Mundo dos Homens – além disso, ele sabia com quem ela andava trabalhando; incomodado, mas sem coragem para admitir, ele acabou afastado. Por respeito aos motivos da namorada, ele não tocava nesse assunto mais do que o necessário. Agora, ele se arrependia disso e de não ter sido sincero sobre muitas outras coisas.

É claro que ele tinha outras opções para montar alguma pequena equipe – contatar Arsenal era fácil, ou talvez seus irmãos –, mas ele não era assim. Se houvesse mais esforço por parte de Todd, talvez não estaria ali agora.

Mas não era hora de reclamar. Precisava se adaptar.

Investigando sozinho sobre um recente roubo de múltiplos cadáveres, sua imprudência fez com que fosse preso pelo FBI – não pela primeira vez, e aquela não seria a última. Sequer precisou de tempo para planejar uma fuga: a captura era apenas um pretexto, sendo informado que um novo projeto precisava dele para se concretizar. A promessa de perdão por seus crimes era até uma oferta batida, mas foi um dos benefícios no contrato. E lá estava ele, mais uma vez um líder, mesmo que acreditasse não ter quase nenhuma característica de um. De todo modo, não se engane – o interesse de Red Hood nunca foi ganhar uma vida normal após pagar de algum modo por seus crimes; ele sequer acreditava naquele tipo de troca, independente de quem a ofertasse. É óbvio que aquela era uma atividade suspeita, ou não procurariam por ele. Todd estava ali para descobrir qual era a mente por trás de tudo aquilo e porquê faziam tanta questão dos serviços dele.

Batman sabia. Muito pouco sobre aquele novo projeto governamental, mas até demais sobre o que o filho pródigo havia feito – mais uma vez traindo a família em nome de seus interesses, mas dessa vez algo mais nobre do que de costume: a promessa de que a Liga das Sombras não tocaria nem em Artemis, nem em Lian. Ele faria tudo por aquelas duas e ainda não acharia o suficiente depois de todos os seus pecados, ele errou com...

Não, aquele assunto era passado. “Foco, Jason”, ele pensou. Pelas circunstâncias, pai e filho entraram em um acordo, mesmo que fosse difícil alinhar os pensamentos. A regra “no killing” já havia virado hábito para Jason, apesar de ter sempre o seu porém. Não eram mais Batman e Robin, mas uma parceria poderia, sim, ser bem-vinda. Foi o que aconteceu quando Red Hood aceitou aquela oferta do governo.

ㅤ── Jeez-- Por que diabos você precisa ficar me encarando enquanto tomo banho toda vez?! ── Por estar tão absorto, foi surpreendido pela doutora Shelley ao sair da cabine de descontaminação – que acabava por ser muito parecida com um banho comum –, se agarrando à toalha verde com pressa para cobrir o corpo nu.

ㅤ── Meu interesse é apenas em seu relatório, Mr. Hood. ── Realmente, era difícil duvidar. A expressão da loira era como um vazio indecifrável. Com as costas apoiadas na parede e o vapor ainda presente no ambiente pelo box recém-aberto, ela carregava o tablet em uma das mãos e precisou usar a outra para que pudesse apontar para o corpo dele. ── E é necessário que reporte à ala médica sobre os ferimentos para que sejam limpos e suturados.

ㅤ── “E é necessário que...” ── Jason repetiu com deboche ao passar pela cientista na intenção de voltar para o que ele vinha chamando de quarto. Não era do tipo que aceitava ajuda em um laboratório subterrâneo com pessoas tão duvidosas trabalhando ali, então se cuidaria sozinho e a doutora já sabia muito bem disso. Ele também não estava de bom humor, pelo menos queria estar devidamente vestido antes de qualquer reunião. Já de costas, acenou brevemente. ── Depois. Só depois.

──────────────────

A noite quente em Gotham City era marcada pela proximidade com o verão, um clima insuportável. Red Hood sabia que o Morcego não demoraria a chegar por toda a algazarra daquela noite, ordenando aos membros da equipe que desfizessem a formação tal como ele fora instruído a fazer. A partir daquele momento, por algum tempo, voltariam a ser cada um por si: voltando à vida de antes, ou voltando ao complexo em que ficaram mantidos por semanas como se fossem prisioneiros, ninguém se importava. A equipe só não deveria mais existir.

Batman já estava ali. Camuflado como se fosse feito da mesma matéria das paredes. A mente atenta como um radar dividia raciocínio e memória em partes iguais, ele revia diante dos olhos a cena de corpos desfigurados mutilando uns aos outros, e ao mesmo tempo desenvolvia a perícia de ser capaz de adentrar cada vez mais aquele edifício na penumbra, golpear os acordados restantes e ser ágil no drible com as câmeras de segurança. “Ele chegou mais rápido do que eu esperava, parece até os velhos tempos. Hoje o esquema é diferente. Hoje ninguém vai fazer reféns, e hoje nós não vamos fazer prisioneiros”, o Cavaleiro das Trevas dizia para si mesmo enquanto o líder do esquadrão que havia deixado todo aquele rastro de destruição estava sozinho no laboratório mórbido, terminando de baixar e repassar os dados à nuvem enquanto esperava pacientemente pelo confronto direto que logo aconteceria.

Consciente da necessidade de uma cena, Batman enxergou finalmente, através de sua aproximação silenciosa, o único oponente que ele não derrubaria em dois golpes. Para aquele, era necessário um ataque. Sua sombra cresceu, um “vacilo” aparente para a câmera que agora registrava as costas do vigilante, uma grande prova de sua presença.

ㅤ── Red Hood. ── O herói projetou a voz em chamado para não atacá-lo pelas costas.

ㅤ── Ficando lento, velhote? ── O mais novo retirou com certa pressa o cabo que conectava um dispositivo ao computador assim que ouviu a voz grossa que tanto representava a noite naquela cidade, mas não teve tempo para mais reações antes do ataque inicial do membro fundador da Liga da Justiça.

Sem a menor chance de permitir uma fuga, Batman se lançou em bote como um predador. As duas mãos de repente em seu campo de visão, agarraram os ombros do alvo de modo que ambos foram lançados sobre a aparelhagem do laboratório. O Outlaw olhou para a janela mais próxima enquanto rapidamente traçava seu plano para tirar ambos dali e, preso contra a mesa cheia de beckers limpos, bateu com força o capacete vermelho contra a cabeça do vigilante na intenção de atordoá-lo para em seguida o afastar com um chute no estômago.

ㅤ── Você sabe, eu adoraria ficar e te dar uma surra... ── Red Hood deu de ombros, debochando enquanto andava até a janela aberta, colocando metade do corpo para fora e pronto para pular. ── Mas nah, tenho compromisso.

Para acabar com as provas daquele laboratório, o rapaz retirou uma granada de mão especial do traje e jogou na direção da sala em que Batman estava, liberando o gancho para que pudesse pular rapidamente para o outro prédio e fugir. O pai tinha nove segundos, mais do que o suficiente para reagir e persegui-lo pelos telhados.

A explosão foi ouvida à distância. Os elementos inflamáveis e elétricos causaram um estrago ainda mais extenso, despertando e alarmando os civis da região. Algumas pessoas abriam suas janelas para olhar, e outras, já habituadas ao terror da cidade, preferiam se manter escondidas para se proteger. Enquanto Red Hood continuou correndo por cima de alguns prédios, saindo do terreno da universidade, pôde notar vez ou outra a sombra que se estendia em formato de asas sobre sua cabeça, e tão rapidamente quanto aparecia, ela se fechava e se misturava na escuridão até desaparecer e nenhum vulto ser visto ou ouvido durante o fim do trajeto do Outlaw até um beco tomado por sombras. Não demorou para que o suposto vilão daquela história fosse derrubado de costas no chão após sua breve espera pelo Cavaleiro. Uma força robusta repentinamente atingiu seu tórax e tornozelo para causar um desequilíbrio. Mas nenhuma luta aconteceu, apenas a silhueta distinta de Batman se tornou visível.

ㅤ── Não estou lento. ── A voz grave, alterada, se fez presente. Os lábios se comprimiram no escuro, um gesto rápido e apagado, raro mas pontual. Uma reação automática a toda vez que o filho pródigo voltava para casa. Jason ainda não havia levantado do chão, considerando aquela pequena vingança como justa e acabando por deixar um riso fraco escapar antes de Bruce voltar a falar. ── as informações que tem. E diga o que foi fazer.

ㅤ── Agora, parece rápido até demais. ── Se referia ao tom usado pelo pai, à falta de uma saudação, mas era apenas mais um deboche. Não esperava por um “boa noite”, nem sequer por um “oi”. Com um salto, Hood se levantou do chão e manteve uma distância média entre os dois corpos, aquelas duas sombras escondidas pela noite e pela má iluminação da cidade. ── É a Waller. ── Enquanto respondia, ele buscou por um papel que carregava consigo: um contrato, uma assinatura legítima da mulher citada e detalhes sobre a necessidade de sigilo que envolvia a Task Force Z. Apenas mostrou o papel a Bruce, já que pretendia ficar com ele. ── Mesma premissa do Suicide Squad, mas eles... ── Com a outra mão, pegou e dessa vez entregou um frasco pequeno que estava tampado com uma rolha de vinho. O conteúdo lá dentro era esverdeado, quase fluorescente, e merecia uma análise minuciosa. ── ... Usam isso na maior parte da equipe. Lá, chamam de Lazarus Resin. Você já deve imaginar o que faz.

Batman analisou de perto o frasco entregue em sua mão. Ao ouvir o nome, Lazarus Resin, já sabia do que se tratava. As coisas geralmente não terminam bem quando um nome como aquele é envolvido. O maior perigo é a tentação, e é justamente quando se esquece que nada de bom pode vir daquilo.

ㅤ── Foi para isto que solicitaram você. ── O herói deduziu. ── Como estão adquirindo?

ㅤ── Não exatamente. Só precisavam de alguém com pulso firme e que não se assustasse com um bando de zumbis. É difícil controlar quem tem necessidade de carne humana. ── Enquanto o rapaz deu de ombros como se aquela fala fosse completamente normal de se ouvir, o Cavaleiro das Trevas lembrou-se dos corpos que viu: as feições, a brutalidade e o canibalismo. Mas, principalmente, pensava na utilidade a que seria destinado tal projeto. Quantas vezes o usariam, e quem trariam de volta se obtivessem o sucesso esperado. Como Red Hood não podia revelar o nome dos companheiros de equipe, apenas continuou com sua explicação. ── Ainda não descobri como pegam, tenho a impressão de que é uma fonte fora do complexo. Viemos roubando algumas pessoas com acesso a essa mesma substância, parece que os próprios pesquisadores estão divididos entre si. E é uma matéria escassa.

ㅤ── Muito bem, Ro- Red Hood. Vamos estudar isso. Você ganhou um posto importante ali, deve permanecer com a confiança deles. Quais serão seus próximos passos?

Bruce queria perguntar “quando vai voltar para casa?”, mas manteve-se firme. O foco no objetivo antes da vida pessoal. O filho até havia reparado no pequeno deslize que envolvia seu manto anterior, mas não fez caso algum sobre isso.

ㅤ── Os próximos passos não importam. ── Hood respondeu seco ao guardar novamente o papel do contrato que havia roubado, dessa vez cruzando os braços quando apoiou as costas na parede atrás de si e desviou o olhar pela fala do Morcego sobre confiança. Um tópico sensível. ── O que importa é que todos fomos dispensados temporariamente. Querem testar outra equipe, foi o que me disseram. ── O filho pródigo olhou novamente para a figura à frente. ── É o que tenho pra você agora, Bruce. O resto é problema meu.

may 25 2022 ∞
jun 9 2022 +