1. O LEGADO DA ESCRAVIDÃO: PARÂMETROS PARA UMA NOVA CONDIÇÃO DA MULHER

"O enorme espaço que o trabalho ocupa hoje na vida das mulheres negras reproduz um padrão estabelecido durante os primeiros anos de escravidão."

"Nas palavras de um acadêmico, 'a mulher escrava era, antes de tudo, uma trabalhadora em tempo integral para seu proprietário, e apenas ocasionalmente esposa, mãe e dona de casa'."

"Embora nos estados localizados na fronteira entre o Norte e o Sul dos Estados Unidos uma quantidade significativa de escravas realizasse trabalhos domésticos, as escravas do extremo Sul - o verdadeiro núcleo do escravismo - eram predominantemente trabalhadoras agrícolas. Por volta de meados do século XIX, sete em cada oito pessoas escravizadas, tanto mulheres como homens, trabalhavam na lavoura."

"A postura dos senhores em relação às escravas era regida pela conveniência: quando era lucrativo explorá-las como se fossem homens, eram vistas como desprovidas de gênero; mas, quando podiam ser exploradas, punidas e reprimidas de modos cabíveis apenas às mulheres, elas eram reduzidas exclusivamente à sua condição de fêmeas."

"A exaltação ideológica da maternidade - tão popular no século XIX - não se estendia às escravas. [...] Elas eram 'reprodutoras' - animais cujo valor monetário podia ser calculado com precisão a partir da sua capacidade de se multiplicar."

"Assim como as mulheres negras dificilmente eram 'mulheres' no sentido corrente do termo, o sistema escravista desencorajava a supremacia masculina dos homens negros. Uma vez que maridos e esposas, pais e filhas eram igualmente submetidos à autoridade absoluta dos feitores, o fortalecimento da supremacia masculina entre a população escrava poderia levar a uma perigosa ruptura na cadeia de comando. [...] Afinal, homens e mulheres e crianças eram igualmente 'provedores' para a classe proprietária de mão de obra escrava."

"A clivagem entre economia doméstica e economia pública, provocada pelo capitalismo industria, instituiu a inferioridade das mulheres com mais força do que nunca. [...] Os arranjos econômicos da escravidão contradiziam os papéis sexuais hierárquicos incorporados na nova ideologia. Em consequência disso, as relações homem-mulher no interior da comunidade escrava não podiam corresponder aos padrões da ideologia dominante."

"Os registros de nascimento em muitos latifúndios omitiam o nome do pai, contendo apenas a mãe da criança. Por todo o Sul, as legislações estaduais adotavam o princípio do partus sequitur ventrem - a criança herda a condição de escrava da mãe. Essas eram imposições dos proprietários, eles mesmos pais de muitas crianças escravas."

"É verdade que a via doméstica tinha uma imensa importância na vida social de escravas e escravos, já que lhes propiciava o único espaço em que podiam vivenciar verdadeiramente suas experiências como seres humanos. Por isso - e porque, assim, como seus companheiros, também eram trabalhadoras, as mulheres negras não eram diminuídas por suas funções domésticas, tal como acontecia com as mulheres brancas."

"A questão que se destaca na vida doméstica nas senzalas é a da igualdade sexual. O trabalho que escravas e escravos realizavam para si mesmos, e não para o engradecimento de seus senhores, era cumprido em termos de igualdade."

"Dos numerosos registros sobre a repressão violenta que os feitores infligiam às mulheres, deve-se inferir que aquela que aceitava passivamente sua sina de escrava era a exceção, não a regra."

"Virgínia, 1812: 'ela disse que, para ela, não era cedo demais para que se revoltassem, já que preferiria estar no inferno a estar onde estava'. Mississippi, 1835: 'ela pediu a Deus que tudo estivesse acabado e enterrado, porque estava cansada de servir a gente branca [...]'.

Pode-se compreender melhor agora uma pessoa como Margaret Garner, escrava fugitiva que, quando capturada perto de Cincinnati, matou a própria filha e tentou se matar. Ela se comprazia porque a menina estava morta - 'assim ela nunca saberá o que uma mulher sofre como escrava' - e implorava para ser julgada por assassinato. 'Irei cantando para a forca em vez de voltar para a escravidão'." – Herbert Aphteker, "The Negro Woman", p. 11-2.

"Da mesma forma que o estupro era um elemento institucionalizado de agressão ao povo vietnamita, concebido com a intenção de intimidar e aterrorizar as mulheres, os proprietários de escravos encorajavam seu uso terrorista para colocar as mulheres negras em seu lugar. Se elas conseguissem perceber a própria força e o forte desejo de resistir, os violentos abusos sexuais - é o que os proprietários devem ter raciocinado - fariam com que elas se lembrassem de sua essencial e inalterável condição de fêmeas. Na visão baseada na ideia de supremacia masculina característica do período, isso significa passividade, aquiescência e fraqueza."

"As mulheres brancas que se uniam ao movimento abolicionista ficavam particularmente indignadas com os abusos sexuais sofridos pelas mulheres negras. [...] Embora tenham colaborado de forma inestimável para a campanha antiescravagista, as mulheres brancas quase nunca conseguiam compreender a complexidade da situação da mulher escrava. As mulheres negras eram mulheres de fato, mas suas vivências durante a escravidão [...] as encorajavam a desenvolver certos traços de personalidade que as diferenciavam da maioria das mulheres brancas."

2. O MOVIMENTO ANTIESCRAVISTA E A ORIGEM DOS DIREITOS DAS MULHERES

"Quando a verdadeira história da causa escravagista for escrita, as mulheres ocuparão um vasto espaço em suas páginas: porque a causa das pessoas escravas tem sido particularmente uma causa das mulheres." — Frederick Douglass, The Life and Times of Frederick Douglass, cit., p. 469.

"Por volta dos anos 1830, o sistema fabril absorveu muitas das atividades econômicas tradicionais das mulheres. [...] a incipiente industrialização da economia minou o prestígio que as mulheres tinham do lar - um prestígio baseado no caráter produtivo e absolutamente essencial de seu trabalho doméstico até então. Por causa disso, a condição social das mulheres começou a se deteriorar. Uma consequência ideológica do capitalismo industrial foi o desenvolvimento de uma ideia mais rigorosa de inferioridade feminina."

"[Durante a era pré-industrial,] Enquanto os homens lavravam o solo (frequentemente com a ajuda da esposa), as mulheres eram manufatoras, fazendo tecidos, roupas, velas, sabão e praticamente tudo o que era necessário para a família. [...] Elas eram trabalhadoras produtivas no contexto da economia doméstica, e seu trabalho não era menos respeito do que o de seus companheiros. Quando a produção manufatureira se transferiu da casa para a fábrica, a ideologia da feminilidade começou a forjar a esposa e a mãe como modelos ideias. No papel de trabalhadoras, ao menos as mulheres gozavam de igualdade econômica mas como esposas eram destinadas e a se tornar apêndices de seus companheiros, serviçais de seus maridos."

"Mais do que quaisquer outras mulheres envolvidas na campanha contra a escravidão, as irmãs Grimké instavam a constante inclusão do tema dos direitos das mulheres. Ao mesmo tempo, argumentavam que as mulheres nunca alcançariam sua liberdade independentemente do povo negro. 'Quero ser igualada ao negro', disse Angelina em uma reunião das mulheres patriotas que apoiavam a Guerra Civil, em 1863. 'Enquanto ele não tiver seus direitos, nós não teremos os nossos'."

3. CLASSE E RAÇA NO INÍCIO DA CAMPANHA PELOS DIREITOS DAS MULHERES

"A importância inestimável da Declaração de Seneca Falls residia em seu papel como expressão da consciência sobre os direitos das mulheres em meados do século XIX. Tratava-se do resultado teórico de anos de contestações inseguras e muitas vezes silenciosas, voltadas a uma condição política, social, doméstica e religiosa que contraditória, frustante e claramente opressiva para as mulheres da burguesia e das classes médias emergentes. Entretanto, enquanto consumação exata da consciência do dilema das mulheres brancas de classe média, a declaração ignorava totalmente a difícil situação das mulheres brancas de classe trabalhadora, bem como a condição das mulheres negras tanto do Sul quanto do Norte. Em outras palavras, a Declaração de Seneca Falls propunha uma análise da condição feminina sem considerar as circunstâncias das mulheres que não pertenciam à classe social das autoras do documento."

"nos anos 1840, as mulheres eram as líderes da militância operária dos Estados Unidos" - America's Working Women, cit., p.66

"[...] as mulheres de Lowell se distinguiram por conseguir que uma comissão governamental promovesse a primeira investigação sobre condições trabalhistas na história dos Estados Unidos."

  • The Grimké Sisters from South Carolina
  • From Slavery to Freedom: A History of Negro Americans

4. O RACISMO NO MOVIMENTO SUFRAGISTA FEMININO

5. O SIGNIFICADO DE EMANCIPAÇÃO PARA AS MULHERES NEGRAS

"Por meio do sistema de contratação de pessoas encarceradas, a população negra era forçada a representar os mesmos papéis que a escravidão havia lhe atribuído. Homens e mulheres eram igualmente vítimas de detenções e prisões sob os menores pretextos - para que fossem cedidos pelas autoridades como mão de obra carcerária."

"Em 32 dos 48 estados, o serviço doméstico era a ocupação predominante tanto de homens quanto de mulheres. Em sete de cada dez estados, havia mais pessoas negras trabalhando em funções domésticas do que em todas as outras ocupações juntas."

6. EDUCAÇÃO E LIBERTAÇÃO: A PERSPECTIVA DAS MULHERES NEGRAS

7. O SUFRÁGIO FEMININO NA VIRADA DO SÉCULO: A CRESCENTE INFLUÊNCIA DO RASCISMO

8. AS MULHERES NEGRAS E O MOVIMENTO ASSOCIATIVO

9. MULHERES TRABALHADORAS, MULHERES NEGRAS E HISTÓRIA DO MOVIMENTO SUFRAGISTA

10. MULHERES COMUNISTAS

  • Lucy Parsons
  • Ella Reeve Bloor
  • Anita Whitney
  • Elizabeth Gurley Flinn

"Toda desigualdade e limitação impostas à mulher branca estadunidense são agravadas mil vezes entre as mulheres negras, triplamente exploradas - como negras, como trabalhadoras e como mulheres."

  • Claudia Jones

11. ESTUPRO, RASCISMO E O MITO DO ESTUPRADOR NEGRO

“O mito do estuprador negro continua a levar a cabo o pérfido trabalho da ideologia racista. E deve ser responsável por grande parte do fracasso da maioria das teóricas antiestupro na busca da identidade do enorme número de estupradores anônimos, que seguem sem denúncia, julgamento e condenação. Enquanto suas análises focarem acusados de estupro que são denunciados e presos — portanto, apenas uma ração dos estupros de fato cometidos —, os homens negros (e outros homens de minorias étnicas) serão inevitavelmente vistos como os vilões responsáveis pela atual epidemia de violência sexual. O anonimato que cerca a imensa maioria dos estupros é, em consequência, tratado como um detalhe estatístico — ou, mais do que isso, como um mistério cujo sentido é indecifrável.

Mas, em primeiro lugar, por que existem tantos estupradores anônimos? Não seria esse anonimato um privilégio usufruído pelos homens cuja condição social os protege de processos judiciais? Embora os homens brancos que são empregadores, executivos, políticos, médicos, professores universitários, etc. sejam conhecidos por “tirar vantagem” de mulheres que eles consideram socialmente inferiores, seus delitos sexuais raramente vêm à luz em tribunais. Portanto, não é bastante provável que esses homens da classe capitalista e da classe média sejam responsáveis por uma proporção significativa dos estupros não notificados? Muitos desses estupros certamente envolvem vítimas que são mulheres negras: sua experiência histórica mostra que a ideologia racista subentende um convite aberto ao estupro. Como a base da licença para estuprar as mulheres negras durante a escravidão era o poder econômico dos proprietários de escravos, a estrutura de classe da sociedade capitalista também abriga um incentivo ao estupro. Na verdade, parece que homens da classe capitalista e seus parceiros de classe média são imunes aos processos judiciais porque cometem suas agressões sexuais com a mesma autoridade incontestada que legitima suas agressões diárias contra o trabalho e a dignidade de trabalhadoras e trabalhadores.”

“Homens da classe trabalhadora, seja qual for sua etnia, podem ser motivados a estuprar pela crença de que sua masculinidade lhes concede o privilégio de dominar as mulheres. Ainda assim, como eles não possuem a autoridade social e econômica — exceto quando um homem branco estupra uma mulher de minorias étnicas — que garanta imunidade a processos judiciais, o incentivo não é nem perto de tão poderoso quanto o é para os homens da classe capitalista. Quando homens da classe trabalhadora aceitam o convite ao estupro que lhes é estendido pela ideologia da supremacia masculina, eles estão aceitando um suborno, uma compensação ilusória à sua falta de poder.”

jan 1 2020 ∞
mar 26 2020 +