- não se evita a idealização. com cuidado e sorte, evita-se (no máximo) que ela se torne um mecanismo de autossubmissão.
- o perdão, que não apaga mas suaviza, foi que me mostrou um através - já conquistado, e de certa forma trilhado já, sem o quê o próprio perdão não poderia manifestar-se - foi ele quem fragmentou as camadas densas de afetividade em poeira cósmica e me impôs um sentimento de profundo vazio. pela primeira vez em todo o tempo fui então capaz de chorar de saudade.
- é preciso muita coragem para viver a vida. por isso mesmo é muito mais fácil se esconder.
- as dores da alma são no corpo. o cuidado do corpo alivia o imediato da dor. mas são as palavras com suas mil faces secretas que, investigadas, trazem consigo a chave para a real ultrapassagem.
- o problema é que meu ego realmente acredita que é possível dar conta da realidade. nessa medida, sintetiza tudo como novela, maneira de elaboração das dores de caráter estético, que venho treinando fazer desde que li Machado na infância. mas a novela, principalmente em seu caráter melodramático, esconde um certo princípio moralizante e ideológico que muito pouco se adapta à vida feliz. a vida é ética, não necessariamente estética, e nisso se aproxima muito mais de um cálculo afetivo do que da pura beleza propiciada pela disponibilidade infinita dos sentimentos de uma protagonista romântica. na vida, pela escassez real de amor, pela exposição absoluta à rejeição e à ausência constante de consideração das pessoas, é necessário proteger-se com muito cuidado, sabendo sempre o que, quando e para quem entregar, mesmo depois de estabelecida uma relaçãode confiança, aliás, principalmente depois disso. é preciso sempre a interrogação a respeito do sentir e agir sem traí-lo. isso é amar-se.
- é preciso abaixar a guarda racional para conseguir chorar. é o choro sincero, bruto e não elaborado o que permite o consolo, o apaziguamento e a superação posteriores, por mais dolorosa que seja a ferida. a ordem das coisas é sentir para depois racionalizar. o cicatrizamento coça muito, mas é a inversão dessa ordem o que produz o ressentimento.
- a pior das dores é a da constatação de que, não importa quanto amor você seja capaz de dar ou de oferecer: no momento da ruína, você está sozinho. suspeito que, depois dessa experiência, eu não serei capaz de confiar em mais ninguém.
- foi bruno quem me disse que, apesar de acreditar que não, eu jamais o havia amado. hoje eu sei que era verdade, porque o amor, para ser plenamente, depende de uma certa sensação de completude que surge da aproximação dos corpos. bruno também me disse que o amor, da mesma forma que veio, se apaga. disso eu discordo, porque o amor dura para além do fim daquela mesma aproximação que o realiza. com efeito, o amor verdadeiro pulsa para além das condições que permitiam sua realização na finitude. assim, o amor requer o amor para continuar sendo amor. este requerimento, justamente porque se dá no interior de uma correlação de forças na qual o amante é um requerente, nos machuca e nos retalha porque nos leva a reafirmar uma certa incompletude. no limite, o que se requer é algo que não se supre na experiência da individualidade. o amor é o desejo de conexão mais potente que pode haver entre dois corpos. já o amor verdadeiro é a própria conexão. e ambos pulsam.
- descobri que o amor também pode morrer. posta uma dose insuportável de crueldade, ele morre como tudo o mais. a dor de sua morte é muito dolorosa, porque, uma vez que somos seres amorosos que rodam também e amam, a morte do amor nos destrói em um nível existencial. o que se perde neste luto é uma parte de si que, como um câncer, deve ser apenas amputada fora, tamanha dor e força de corrosão. no fim, resta ainda, verdade que danificada, a capacidade de conexão. todavia, recuso-me ao medo. quero-me novo.
may 17 2025 ∞
nov 20 2025 +