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  • As abluções, por proveitosas que fossem, eram apenas água; não tiravam dele o pecado; não curavam a sede do espírito; não aliviavam a angústia do coração. Excelentes eram os sacrifícios e as invocações dos deuses — mas que lhe adiantava tudo isso? Propiciariam os sacrifícios a felicidade?
  • Se encontrares a felicidade no mato, volta e ensina-me. Se encontrares desilusões, procura-me novamente e juntos sacrificar-nos-emos aos deuses.
  • Um único objetivo surgia diante de Sidarta; o objetivo de tornar-se vazio, vazio de sede, vazio de desejos, vazio de sonhos, vazio de alegria e de pesar. Exterminar-se distanciando-se de si mesmo; cessar de ser um eu; encontrar sossego, após ter evacuado o coração; abrir-se ao milagre, com o pensamento desindividualizado — eis o que era o seu propósito. Quando todo e qualquer eu estivesse dominado e morto, quando, dentro do coração, se calassem todos os anseios e instintos, inevitavelmente despertaria no seu ser a quintessência, o último elemento, aquilo que já não fosse o eu, o grande mistério.
  • “O fato de eu não saber nada a meu próprio respeito, o fato de Sidarta ter permanecido para mim um ser estranho, desconhecido, tem sua explicação numa única causa: tive medo de mim; fugi de mim mesmo! [...] Ah, não! [...] daqui em diante não admitirei nunca mais que Sidarta me escape! [...] Cessarei de matar-me e de fraturar-me, com o intuito de achar um mistério atrás dos destroços. [...] Aprenderei por mim mesmo; serei meu próprio aluno; procurarei conhecer-me a mim e desvendar aquele segredo que é Sidarta!”
  • Olhou o mundo a seu redor, como se o enxergasse pela primeira vez. Belo era o mundo! Era variado, era surpreendente e enigmático! Lá, o azul; acolá, o amarelo! O céu a flutuar e o rio a correr, o mato a eriçar-se e a serra também! Tudo lindo, tudo misterioso e mágico! E no centro de tudo isso achava-se ele, Sidarta, a caminho de si próprio. [...]  O azul era azul, o rio era rio e, posto que, nesse azul e nesse rio abrangidos por Sidarta, existisse, escondida, a ideia da unidade, o Divino, era, contudo, peculiar do Divino ser amarelo aí e azul lá, céu ali e mato acolá, e também ser Sidarta, aqui, neste lugar. O sentido e a essência não se encontravam em algum lugar atrás das coisas, senão em seu innterior, no íntimo de todas elas.
  • Satisfeito, contemplava a torrente do rio. Nunca água alguma lhe agradara tanto como aquela. Em nenhum outro momento se lhe haviam comunicado de modo tão claro e lindo a voz e o símbolo do curso das águas. Parecia-lhe que o rio lhe revelava algum segredo especial, alguma coisa ignota, que ainda o aguardasse. Nesse rio, quisera afogar-se. Nesse rio, submergia o velho, o exausto, o desesperado Sidarta. Mas o novo Sidarta, tomado de profundo amor a essas águas que lá corriam, resolvia não se separar delas por muito tempo.
  • Nada foi, nada será; tudo é, tudo tem existência e presente.
  • Lentamente desabrochava e amadurecia no espírito de Sidarta a percepção, o conhecimento daquilo que na verdade significava sabedoria e devia ser a meta das suas buscas prolongadas. Nada era a não ser uma predisposição da alma, a faculdade, a arte secreta de conceber, a cada instante, em plena vida, a ideia da unidade, de sentir a unidade, de encher dela os pulmões. Pouco a pouco, essa certeza crescia nele e seu reflexo aparecia no rosto velho e todavia infantil, de Vasudeva, revelando harmonia, ciência da eterna perfeição do cosmo, sorriso, unidade.
  • Procurar significa: ter uma meta. Mas achar significa: estar livre, abrir-se a tudo, não ter meta alguma.
  • O mundo [...] não é imperfeito e não se encaminha lentamente rumo à perfeição. Não! A cada instante é perfeito. Todo e qualquer pecado já traz em si a graça. Em todas as criancinhas já existe o ancião. Nos lactentes já se esconde a morte, como em todos os moribundos há vida eterna. [...] Por isso, o que existe me parece bom. A morte, para mim, é igual à vida; o pecado, igual à santidade; a inteligência, igual à tolice. Tudo deve ser como é. Unicamente o meu consenso, a minha vontade, a minha compreensão carinhosa são necessários para que todas as coisas sejam boas, a ponto de somente me trazerem vantagens, sem nunca me prejudicarem. No meu corpo e na minha alma fiz a experiência de quanto carecia do pecado, da volúpia, da cobiça de bens materiais, da vaidade, de quanto precisava até do mais abjeto desespero, para que aprendesse a desistir da minha obstinação, a querer bem ao mundo, a cessar de compará-lo a qualquer outro mundo imaginário, que correspondesse aos meus desejos, a algum tipo de perfeição brotado do meu cérebro e para que, deixando-o tal como é, me limitasse a amá-lo e gostar de fazer parte dele...
  • Analisar o mundo, explicá-lo, menosprezá-lo, talvez caiba aos grandes pensadores. Mas a mim me interessa exclusivamente que eu seja capaz de amar o mundo, de não sentir desprezo por ele, de não odiar nem a ele nem a mim mesmo, de contemplar a ele, a mim, a todas as criaturas com amor, admiração e reverência.
oct 27 2022 ∞
nov 5 2022 +