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  • Virginia Woolf quer ser amada pelo que escreve, e não por essa imagem errônea que já lhe emprestam e na qual não se reconhece. Em 1922, anota a contragosto em seu Diário: O único interesse que as pessoas têm por mim como escritora vem, estou começando a me dar conta, de minha personalidade estranha.
  • A vantagem de uma primeira experiência dolorosa está no aprendizado que dela retiramos. Longe de ficar traumatizada com essa travessia movimentada, Virginia tem uma só vontade: recomeçar. “Penso muito em meu futuro e no tipo de livro que vou escrever – na maneira como vou dar forma ao romance, capturar inúmeras coisas que, por enquanto, ainda me escapam, aprisionar tudo e modelar infinitamente formas estranhas”, confia a seu cunhado. Virginia enxerga longe. Mas, por enquanto, trata-se, antes de qualquer coisa, de conseguir refrear o extraordinário fluxo de emoções que acaba de suscitar a criação. Aos 32 anos, essa jovem mulher estabelece uma organização pessoal que lhe possibilita continuar fazendo aquilo que mais gosta no mundo: escrever seus romances. Não possui nenhuma estratégia específica, mas uma espécie de presciência sobre o que é bom para ela e que vai, pelo menos por um tempo, preservá-la.
  • "Eu, Virginia Woolf, juro que 1) descansarei de barriga para cima, com a cabeça sobre as almofadas, durante meia hora depois do almoço, 2) comerei exatamente tanto quanto comeria se não estivesse sozinha, 3) irei me deitar às 22h25 todas as noites e adormecerei logo, 4) tomarei o café da manhã na cama, 5) tomarei um copo de leite bem cheio de manhã, 6) em certas circunstâncias, me deitarei no sofá, não irei passear nem em casa, nem no exterior [...], 7) ficarei comportada, 8) serei feliz."
  • O belo filme de Stephen Daldry, The hours [ As horas], tem o mérito, por um lado, de ter dado recentemente muita vontade de ler ou reler Mrs. Dalloway, mas, por outro, apenas acentuou o mito woolfiano. Colocando em cena um dia de Virginia em Richmond, o diretor privilegiou mais uma vez um período particularmente sombrio da vida dessa mulher, esquecendo o quanto ela sabia ser engraçada, viva e alegre. De sua infância, retém-se apenas os abusos sexuais que estão na origem de seus primeiros distúrbios de comportamento a fim de provar a inevitabilidade de seu suicídio. Entretanto, Virginia Woolf era também uma criança engraçada que adorava divertir os outros. Uma característica que guardou ao longo de toda a sua existência e que fazia com que seus amigos a achassem irresistível. Mesmo nos períodos mais dramáticos de sua vida, ela era capaz de fazer chorar de tanto rir toda uma plateia por seu senso de encenação e teatralidade. Tinha essa faculdade rara de dissociar seu eu social de seu eu profundo e de mostrar mais frequentemente um lado fantasioso e jovial. Entretanto, as pessoas preferem reter a melancolia desse personagem cuja lenda deve muito ao episódio Richmond, que foi efetivamente um dos mais sombrios de toda sua existência.
  • Com O quarto de Jacob, Virginia afirma: “Começo enfim a me expressar de uma maneira pessoal”."
  • Como Mrs. Dalloway, Virginia parece muito mais perturbada com as mulheres do que com os homens. Em seu Diário, escreve essa frase reveladora que Leonard se apressará em apagar: “Ter amizades com mulheres me interessa”.
  • Com Katherine, Virginia teve a experiência de uma vida dividida em dois. De um lado seu casamento com um homem que lhe dá segurança e uma aparência normal aos olhos do mundo. De outro, seu jardim secreto que dividirá com as diferentes musas de sua existência. Se a amizade de Virginia e Katherine estava mais para o flerte do que para a paixão, com Vita será o oposto.
  • Em seu Diário escreve: Não quero ser célebre nem grande. Quero avançar, mudar, abrir meu espírito e meus olhos, recusar ser rotulada e estereotipada. O que conta é liberar-se por si mesma, descobrir suas próprias dimensões, recusar os entraves. Na vida de Virginia Woolf, todas as mulheres que realmente contaram correspondem a uma evolução pessoal. Com Violet Dickinson, descobre o desejo de escrever; com Katherine Mansfield, a excelência; com Vita Sackville-West, a paixão amorosa entra em cena. Com Ethel Smyth, é a necessidade de fazer parte do mundo que surge.
  • Quando Virginia escreve a última frase de Mrs. Dalloway, ela não consegue se impedir de pensar em sua amiga que acaba de morrer: “E ela estava ali”. “Ela” é Clarissa Dalloway, mas também Katherine Mansfield, a grande amiga de Virginia que Leonard havia escolhido encarar apenas como uma autora para a Hogarth Press. Katherine era muito mais do que isso. Ao mesmo tempo modelo e rival. Uma amizade literária, mas também erótica.
  • Assim como Leonard censura as alusões veladas à homossexualidade nas cadernetas de Virginia, ele fecha os olhos ao novo interesse dela por Vita Sackville-West. Basta no entanto ler Mrs. Dalloway para compreender que a atração física que Clarissa sente pelas mulheres é a de Virginia. Como ela, ela não podia resistir por vezes ao charme de uma mulher [...] Ela sentia então, sem nenhuma dúvida, o que sentem os homens. Um instante apenas, mas já era o bastante. Era uma revelação repentina, um afluxo de sangue como ocorre quando se fica vermelho e se quer impedi-lo.
  • A verdadeira Virginia está sempre em outro lugar. Em Londres, quando está em Rodmell. Em Rodmell, quando está em Londres. Junto a esse marido que lhe dá segurança, mas também daquelas mulheres que lhe estimulam e lhe dão o sentimento de viver. Virginia é essencialmente contraditória, instável, impalpável. Acreditamos poder captá-la, tentamos defini-la mas logo ela escapa. Parece frágil, mas conduz sua existência com uma firmeza impressionante. Conseguindo, na literatura como na vida, fazer um pouco além daquilo que ela estabeleceu a cada dia. A grande força de Virginia Woolf é deixar que acreditem em sua vulnerabilidade, enquanto ela faz, em segredo, revoluções importantes.
  • Aos 43 anos, a romancista sente a necessidade de pôr um fim nos fantasmas do passado que continuam entravando seu avanço fulgurante. Em Passeio ao farol, Virginia cumpre um ato salutar: colocando seus pais em cena, a romancista vai definitivamente se libertar [...] Virginia alegra-se enfim de conseguir renunciar a seus pais: Escrevi o livro muito rápido e, depois de escrito, parei de ser obcecada por minha mãe. Não ouço mais sua voz, não a vejo mais [...] Expressei uma emoção sentida há muito tempo, profundamente. E ao expressá-la, eu a expliquei e depois a deixei em repouso."
  • Com Passeio ao farol, a romancista se libertou de seus pais, com Orlando, autoriza-se a uma liberdade nova que é o reflexo de sua paixão por Vita. Viver uma relação amorosa com essa mulher excêntrica é uma maneira para ela de se liberar de uma outra figura tutelar: seu marido. Se Virginia sempre se fez de criança para seu marido, que não quer mais nada a não ser cuidar dela, em sua relação com Vita age diferentemente. Agora Virginia faz o que sente vontade.
  • No dia 17 de outubro de 1931, escreve com deleite: “Corro o risco de tornar-me nossa maior romancista e não apenas junto à intelligentsia”.
oct 19 2022 ∞
oct 23 2022 +