em português, "estar ciente" de algo não tem a ver com apreender algo enquanto objeto, mas com estar prevenido em relação às determinações de um ato. um ato, no entanto, só é um ato se ele altera o complexo de determinações de uma situação concreta e instaura outro. é nessa relação com o fazer que a Ciência deve se definir: a ciência não é a ordenação da realidade, mas a localização de suas desordenações de maneira a abrir a situação concreta a uma intervenção. diz althusser: a posição científica é aquiela que afirma: "estou na ideologia". uma ideologia só aparece como ideológica no momento em que se está fora dela (isto é, em que se "está ciente" das determinações que pesam sobre o sujeito de dada posição ideológica); por isso, a posição científica não é externa à ideologia, mas é a posição em que o reconhecimento da não-externalidade da ideologia se torna um caminho para deslindar a própria posição ideológica, que sempre se funda sobre uma contradição que, ao mesmo tempo, apaga. no entanto, a posição científica é qualitativamente diferente da posição ideológica: o reconhecimento da não-externalidade da ideologia, do núcleo sem sentido das relações humanas, possibilita a intervenção na ideologia enquanto prática ideológica, isto é, prática de produção de subjetividade.

por isso a teoria da ideologia é uma teoria vazia se ela não se dedicar a fornecer meios para a intervenção na situação concreta - e aqui é preciso diferenciar os meios dos fins, isto é, do produto dessa intervenção. a estética de adorno está demasiadamente preocupada com um referencial de bons caminhos estéticos, à diferença dos quais só pode encontrar a estagnação e a própria incapacidade de intervenção na música que existe concretamente. se a ideologia enquanto prática tem como produto (e não como _meio_) a "consciência" humana (na terminologia de althusser, é a constituição de indivíduos em sujeitos), a teoria da ideologia não pode também almejar produzir consciência, constituir-se enquanto uma ideologia, e sim intervir na prática de produção de consciência.

nesse sentido, falar em "consciência de classe" só faz sentido da seguinte forma: 1) a consciencia de que há e inescapavelmente haverá um complexo de determinações que localizam a própria posição social e a situação concreta; 2) a consciencia de que esse complexo não será apreensível em todas as suas partes ou redutível a uma estrutura estável de relações não-problemáticas e, portanto, previsíveis; 3) a consciência de que, no entanto, isso não é um impedimento para o ato político, mas sim sua própria condição. a teoria da ideologia e a estética marxista devem, assim, abandonar qualquer resquício de preocupação com a problemática da "vida correta", que se dissolve na preocupação autêntica com o fazer político. ela não pode, portanto, fornecer um futuro, apenas meios de intervenção no presente.

dec 21 2017 ∞
dec 21 2017 +