Uma coisa importante de um marxista ter em mente ao ler Foucault: ele poucas vezes fala de "Marx", mas muito fala do "marxismo". Essa é uma distinção bastante importante de se fazer ao ler os seus textos pois ele tende a alinhar-se com o que diz de Marx e se opor ao que diz dos "marxistas".
Por exemplo, Foucault cita a obra marxiana tanto nominal quanto implicitamente em diversos momentos (de cabeça, tenho certeza que o faz no Vigiar e Punir, no Em Defesa da Sociedade e numa entrevista com Deleuze da Microfísica do Poder), geralmente se colocando de modo favorável. É preciso entender então do que Foucault está falando quando fala do "marxismo".
Em primeiro lugar, é preciso tirar desse conjunto Althusser e a linhagem marxista que o segue, pois ele deixa clara a influência desse pensador na sua obra em diversos momentos, inclusive explicitamente quando perguntado. Também é preciso excluir daí os marxistas relacionados à chamada Escola de Frankfurt, que, em uma entrevista nomeada "Remarks on Marx", ele cita mencionando que acreditava que se os tivesse lido antes de começar sua obra, ela não teria acontecido ou teria tomado um rumo bastante diferente.
Existem algumas indicações ao longo da obra dele sobre qual marxismo ele está falando. O que aparece mais claramente é o marxismo dos partidos da linha krucheviana, dos manuais soviéticos, etc. Também está clara a oposição com Sartre, Beauvoir e o marxismo existencialista que daí nasce. Em suas críticas àquilo que chama de "teoria da expressão" ou "do reflexo", parece também direcionar suas armas a Lukács e seus discípulos.
Não me preocupo muito em pormenorizar cada uma das aproximações e distanciamentos, já que essas são coisas a se refinarem na leitura propriamente dita do cara, que é essencial pra qualquer um que queira fazer movimento de esquerda hoje em dia. Isso são apenas indicações pra se recorrer quando surgir, na leitura, esse tema.
Pois então, Foucault dirige essa crítica principalmente ao PCF da época que, pelo que sei, era totalmente acrítico a qualquer política tomada pela URSS (com destaque para o revisionismo kruchshevista) e, teoricamente, era uma nulidade, assumiu a ideia kruchshevista de "estado de todo o povo" além de repugnar qualquer tipo de diálogo com autores externos ao marxismo e se limitava a uma apologética do cânone. Claro que essa crítica de Foucault coloca no lugar algumas posições bastante questionáveis como a latente falta de teorização de fato propositiva em sua obra e a aproximação com a ontologia "descentrada" (eu diria desmantelada) de Deleuze.
Também é direcionada a certas posições dentro do marxismo que tendem a pensá-lo como um conhecimento total do mundo, uma espécie de fórmula que Marx nos entregou e da qual podemos derivar toda a verdade, já contida ali. Essa ideia é completamente contrária ao materialismo dialético, que precisa pensar a si mesmo como parte do processo histórico e, portanto, sujeito às suas determinações. Existe aquela muito citada carta em que Engels diz que, se tomarmos a ideia determinação final da economia como uma determinação total, reduzimos a teoria marxista a algo mais simplório que uma equação de primeiro grau.