Essa posição descreve apenas a posição racionalista do pensamento idealista e me parece incorrer num dos erros de compreensão mais frequentes dos marxistas, que é reduzir o materialismo dialético a um tipo de empirismo historicizado. A posição dos empiristas é justamente a oposta: de como do objeto eu chego ao sujeito. A exemplo, Locke separa os objetos em propriedades primárias e secundárias e afirma que as primeiras são 'do mundo', ou seja, existem independentemente do sujeito; pode, dessa forma, propor a ideia do sujeito folha-em-branco, tábula rasa, que é justamente a ideia de que "é da consciência de algo que se chega à autoconsciência", de que, do contato com objetos que são sempre os mesmos, eu me constituo como sujeito.
O que há de comum entre a posição racionalista e empirista que a tornam idealistas é que ambas partem da necessidade para a contingência, ou seja, da transcendência, da permanência irrevogável (do objeto no empirismo; do sujeito no racionalismo) para a mutabilidade do mundo. Pois bem, a posição materialista dialética é a ideia de que nem o sujeito nem o objeto são dados de antemão à relação entre eles: o movimento em que o sujeito toma consciência do e se percebe em oposição ao objeto é o mesmo movimento em que ele, de fato, se constitui como um sujeito.
Ou seja, estou de acordo com o princípio de que toda epistemologia está ancorada em uma ontologia e vice-versa, ou melhor, que toda vez que se fala em nome da 'verdade', a verdade da qual se fala se insere numa idealização do mundo como um todo cristalizado. A posição materialista dialética, portanto, dissolve a forma como classicamente se entende a oposição ontologia/epistemologia, já que admite que, no processo de conhecer, é sempre colocada em questão as condições em que o conhecimento é possível.
Esse problema é importantíssimo pra entender os limites da lógica formal e a importância do pensamento dialético.
O entendimento clássico de "realidade" é, propriamente, "o conjunto de todas as coisas que existem", e a ontologia seria exatamente o estudo sobre o regime de existência dessas coisas, ou seja, o famoso "ser enquanto tal". As ontologias metafísicas pressupõem a lógica aristotélica -- resumidamente, a posição de que os seres são entidades idênticas a si mesmas, dotadas de uma essência estável que define suas possibilidades finitas de existência -- para reduzirem a pergunta sobre o ser à pergunta pela transcendência, ou seja: "Se é verdade que o ser é (e o não-ser não é), como entender essa estabilidade do ser e do não-ser, sua identidade?"
O problema surge quando, exatamente, coloca-se a possibilidade do ser cuja identidade é dada por não ser. Definido matematicamente por Gödel, é o infame conjunto dos conjuntos que não contém a si mesmos (se ele contém a si mesmo, então não contem a si mesmo; mas, se ele não contém a si mesmo, contém a si mesmo). A negação desse problema é a pedra basilar do formalismo lógico: esse elemento estranho é o próprio "terceiro excluído". Daí surge a dialética: a ideia de que o ser não está apartado do não-ser, mas que ele se define no processo de diferenciação do não-ser.
A discussão da relação da dialética com esse problema já está em Hegel, mas acho que o melhor a desenvolvê-la pormenorizadamente foi Lacan, rediscutindo Gödel (lógico matemático do séc XIX) e sua teoria da incompletude.
ex de objeto não-existente que faz parte da nossa realidade: o capital fictício. tudo aquilo que kant chama de "fenômeno" são objetos não-existentes que fazem parte da realidade.