No capítulo 11 de O Capital, "Cooperação", Marx delimita que a direção capitalista sobre o processo produtivo não é apenas uma decorrência formal do modo de produção capitalista, mas uma função interior ao funcionamento do capitalismo como organização social. De um lado, a concentração de capital na mão de um único capitalista permite o acesso a estratégias de produção de mais-valor relativo que não seriam acessíveis a um proprietário médio com baixo poder de investimento -- a cooperação sendo uma delas. De outro, como a cooperação dos trabalhadores aparece para eles como "mero efeito do capital que os emprega simultaneamente", já que "a interconexão de suas funções e sua unidade como corpo produtivo total reside fora deles, no capital, que os reúne e os mantém unidos", torna-se necessária uma supervisão de todo o trabalho para que ele seja feito da maneira mais produtiva possível (que desperdice o mínimo possível de matéria-prima, que utilize da melhor maneira dado tempo de trabalho, etc). Essa duplicidade da direção capitalista decorre da duplicidade do próprio processo produtivo: processo de trabalho, mas também processo de valorização.

No entanto, apesar de também afetar o processo de trabalho, essa função da direção capitalista se dá, em primeiro lugar, como um função do processo de valorização, cuja instauração plena depende, assim como é condição para, a instauração do capitalismo. À primeira vista, afirmar que a existência da função da direção capitalista depende da existência do capitalismo parece tautológico; no entanto, demonstrar como essa função faz parte da essência formal do processo de valorização é também mostrar tanto que ela não afeta o processo de trabalho senão em seu conteúdo, permanescendo sua forma inalterada, quanto que o processo de valorização produz uma forma de alienação do trabalho diferente daquela produzida pelo processo de trabalho e que se apoia nesta última.

Segundo a definição marxiana do processo de trabalho, ele é tal que "seu objetivo[...] determina, como lei, a espécie e o modo de sua atividade e[, a ele, o trabalhador] tem de subordinar sua vontade.” Esse objetivo, longe de ser estabelecido por um "ato de consciência" do próprio trabalhador, aparece como uma determinação externa ao processo de trabalho, vinda do campo social. Se abandonarmos os devaneios liberais que Marx apelidou de "robinsonadas", veremos que, desde os modos de produção baseados na subsistência e no trabalho familiar ou tribal, o trabalhador não trabalha para suprir necessidades imediatamente suas, mas, abstratamente, as de toda a formação social que ele compõe. Para ele, o "fim" de sua atividade enquanto tal não é que apenas ele mesmo goze do valor de uso produzido, mas que ele supra parte (por mais ínfima que seja) das necessidades sociais gerais, de modo que possa haver uma separação de vários graus entre o produtor e o consumidor. Essa separação entre o trabalhador e o objetivo do seu trabalho, que é a primeira forma de alienação do trabalho, é inerente ao processo de trabalho e, portanto, se encontra em toda e qualquer formação social independente do modo como se organize.

A circulação econômica capitalista só pode se instalar pressuponto essa separação prévia entre o produtor e o consumidor, o que Marx demonstra pormenorizadamente no capítulo 4 de O Capital. Deve-se, portanto, refazer o nexo entre essa forma de circulação econômica, que só pode se instalar com a instalação simultânea do processo de valorização, e aquilo que é classicamente entendido como a forma de alienação do trabalho própria do modo de produção capitalista.

feb 15 2018 ∞
feb 16 2018 +