sem ser provocada, ela fala espantada que, menino, o sidney magal está muito velho, e não é respondida. que eram lindo seus trejeitos aquela voz, e não é respondida. e canta: eu te amo, e não é respondida. e é respondida: ele vendeu muitos discos, com essa música, né?

DUAS ESFERAS tenho que confessar que só descobri que o repertório da prática comum e, por exemplo, o do jazz um dia foram considerados como pertencentes a mundos musicais totalmente descontínuos e antagônicos quando li adorno. o grau de integração e acomodação das tendências discordantes entre as assim chamadas duas esferas e na sua relação com a sociedade se elevou ao ponto de que, mesmo suspendendo juízos de valor, até mesmo o reconhecimento de sua distinção formal, óbvia para quem mantenha qualquer relação com a especificidade do objeto, se apaga para a quase totalidade do público sob a abstração na sentimentalidade da 'música antiga' em geral. as esferas se dissolveram em uma mera diferença de 'arranjo', o que é avidamente confirmado pela facilidade com que grandes orquestras fazem versões do queen, que já era em si um sequestro mútuo entre 'música clássica' e o 'rock clássico'. a piada de adorno sobre a má música boa e a boa música má já não faz sentido porque a deterioração de ambas uma por cima da outra reconduz novamente à oposição simples. parece tão absurda ao frequentador de concertos a opinião da vanguarda musical do século XX, que se enxergava em continuidade com o romantismo, quanto a de que o xiu xiu guarda relações mais íntimas com as girl bands de phil spector do que com john cage. o gesto que redime beethoven deve ser o mesmo que redime os beatles.

entre os neoateus que adoram alardear seu 'racionalismo' e as pessoas religiosas do dia a dia, a posição geral dos últimos não só é mais verdadeira do ponto de vista moral como também corresponde melhor à realidade do assunto. que para aqueles não seja óbvio que a teologia é um ponto de partida muito mais concreto para as preocupações humanas do que a física quântica mostra o quanto eles estão tomados pela veneração fervorosa das fórmulas e do método e esqueceram da sua posição concreta no mundo. nisso, eles se aproximam muito mais dos fanáticos religiosos, cuja leitura dita literal dos textos sagrados não só contradiz o modo como os povos que os escreveram se relacionavam com eles mas é um subproduto do materialismo vulgar e sua estrita oposição esclarecida entre existente e não-existente. no fundo, a maneira como eles se relacionam com deus está bem perto da maneira como os neoateus se relacionam com o big bang, como se algum dos dois tivesse algo de concreto a dizer sobre os problemas cotidianos. qualquer frequentador ocasional da igreja sente que não é disso que ele está falando, que o problema é outro. por isso, não cabe à crítica comunista nem uma 'refutação' da existência de deus em termos iluministas. mas também perde o ponto a tática da indiferença em assuntos de religião em favor do preço da gasolina ou do salário mínimo, como se as grandes questões fossem assunto pra depois da filiação. todos sabem que essas banalidades assim cruas são tediosas, e por isso se foge para a religião; é, aliás, o mesmo impulso que leva a teoria a articulá-las em grandes explicações, para devolver aos pormenores miseráveis o seu sentido merecido.

aug 9 2020 ∞
aug 9 2020 +