conversávamos, eu e bárbara, sobre o profundo desinteresse mútuo em jogar conversa fora. há um tempo, venho obcecado por essa questão -- talvez por todo o tempo da minha vida, mas dessa vez sob essa formulação específica: me desinteressam as pessoas que não conseguem ou se recusam a produzir um discurso sobre sua experiência, um discurso que seja uma tentativa de articular uma resposta a algo que lhe apareça como questão, um discurso que tente penetrar a aparição singular do nada para si. não conseguem porque, assim eu disse, falam para que o nada não apareça, destituem o nada de sua opacidade e o tomam como um vazio a se atirar palavras como quem descarta embalagens amassadas no chão para não guardá-las na bolsa, o reduzem ao silêncio desconfortável (aterrorizante) que o bom senso manda abafar. me desinteressam, e portanto, como a razão não falha, deveria submergir feliz no amor à inteligência e aos olhos de ninguém. bem, por que me angustio? e por que a vontade súbita de ler spinoza? tentei a inversão simples: sou eu quem anda falando pelos cotovelos para não reconhecer, o quê? o nada no outro? é verdade que venho reduzindo a tudo e a todos a uma massa desforme, diante da qual nada me parece "à altura do conceito". mas qual é o sentido do juízo? não é pura e simplesmente a implosão do outro, sua redução a uma embalagem amassada. o verdadeiro julgamento não interdita nenhum objeto, pois julgar é resgatar o degradado da sua miséria e reinclui-lo na abundância que sua estupidez o faz rejeitar. por isso, o julgamento só pode partir de um amor absoluto pelo existente, daí spinoza. no entanto, como posso olhar de cima sem olhar por cima? como é possível que esse amor não se degenere em compaixão, caridade, condescendência e pena? pois tais afetos não podem me engajar com o degradado senão a partir da sua degradação: me torno um filantropo. esta, no fundo, é a solução de bloch: buscar a persistência da utopia na degradação, ou seja, mostrar como a estupidez não é mais que uma tentativa falhada de inteligência -- o que não é uma inverdade, mas daí não se alcança senão arrolar as dores da burrice entre os sofrimentos louváveis e tratar tudo como ainda-não-ser sem amar a singularidade do que está diante de mim. talvez a dificuldade do momento em que estou esteja aí: reconheci que a compaixão sublime que sinto por tudo aquilo que sofre é uma prisão pra o existente. preferi então rejeitá-lo odioso e dizer: o chato sou eu, portanto se afaste, vá em frente, viva, para que eu não te diga como viver. daqui observarei e sofrerei por você. mas finalmente rachou o dique e esguicham de suas frestas um amor incontrolável; é preciso haver outro engajamento possível. a pergunta que fica: como é possível amar o estúpido sem amar a estupidez? é bem possível, no entanto, tomar o que sob tal olhar ainda-não-é como um já-não-sido e que, assim como não existe o bem supremo, não haja a burrice em geral, apenas burrices específicas. o desafio, então, torna-se outro: é a singularidade da burrice diferente da singularidade da inteligência ou, diante do singular, o juízo se estilhaça na perspectiva? pois, se de um lado o singular não deve ser confundido com o inefável, extraímos daí que o julgamento só é possível ao que não é simples, mas articulado. julgar, portanto, é sempre julgar um ordenamento específico das coisas, jamais seu em-si inquebrantável. em última instância, portanto, julgar é localizar um objeto na história da humanidade.
diz spinoza que a qualidade do amor depende da qualidade do objeto amado (portanto rejeitando toda filantropia), e por isso não existe amor que me traga mais alegria que o amor a deus, um ente absolutamente infinito. como não é possível, jamais, que eu conheça toda a sequência infinita de causas pelas quais as coisas finitas são concebidas por deus, seria este um amor pelos modos da substância não enquanto modos da substância, mas enquanto modos da substância? seriam, então, os modos, como pensava hegel, formas rebaixadas de existência a serem ignoradas para elevarmo-nos à perfeição suprema e somente a ela? implicaria o amor a deus como natureza naturante um ódio a deus como natureza naturada? é possível contrargumentar, no entanto, que o deus de spinoza tem uma essência vazia, isto é,