no último capítulo de 'dar corpo ao impossível', safatle afirma que "a autonomia estética é heteronomia do ponto de vista da autonomia moral". isso é fato se tomarmos este último conceito na sua acepção kantiana, mas, funcionando no interior dos textos de adorno, tal fórmula implica uma desistência de pensar a precisão e a radicalidade do conceito de autonomia vigente na dialética negativa. tampouco a fórmula que safatle importa de derrida — a 'heteronomia sem sujeição' — esclarece o procedimento da filosofia moral de adorno, que do mesmo modo poderia ser descrita como autonomia com sujeição. em momentos como:
"GOLDEN GATE — O humilhado e rejeitado apercebe-se de algo, tão cruamente quanto a luz que dores intensas lançam sobre o próprio corpo. Ele se dá conta de que no mais íntimo do amor cego, que nada sabe disso nem pode saber, vive a exigência do não cegado. Fizeram-lhe injustiça; disso ele deriva a demanda do direito e no mesmo passo é obrigado a abrir mão dela, pois o que deseja só pode provir da liberdade. Nesse infortúnio o rejeitado torna-se humano. Assim como o amor inevitavelmente trai o universal no particular, que sozinho prestaria honraria àquele, agora o universal como autonomia do mais próximo volta-se mortalmente contra o amor. Justamente a renúncia na qual se afirmava o universal parece ao indivíduo ser a impossibilidade do universal; quem perdeu o amor sabe ter sido abandonado por todos, por isso desdenha consolo. Na falta de sentido da privação é-lhe dado perceber a falsidade de toda realização apenas individual. Nisso, contudo, ele desperta para a paradoxal consciência do universal: o direito humano inalienável e irrefutável de ser amado pela amada. Com seu pedido de consideração isento de qualquer título ou pretensão ele apela a uma instância desconhecida, que por graça lhe concede aquilo que lhe pertence e todavia não lhe pertence. O segredo da justiça no amor é a supressão do direito a que o amor alude com gesto mudo. "Assim mesmo deve ser o amor, sempre tolamente enganado". (MM)"
"Só se pode julgar aquilo que é decisivo no eu, sua independência e sua autonomia, em relação à sua alteridade, em relação ao seu não-eu. A existência ou a nãoexistência da autonomia depende de seu opositor e de sua contradição, do objeto que concede ou recusa autonomia ao sujeito; desvinculada disso, a autonomia é fictícia." (DN, p. 188)
"Uma forma totalmente capturada pelo sujeito criador perpetua ao mesmo tempo a violência de seu gesto. Quando o sujeito soberano se distancia de sua determinação natural, mantém uma afinidade eletiva com a natureza não domesticada; no processo de autonomia, retorna a berbárie que havia sido arrancada à força, tanto em Beethoven quanto em Fichte." (Strav - uma imagem dialética QF, p. 246)
é possível depreender um conceito muito mais fino: a autonomia moral é a interiorização, pela razão, de suas determinações extrínsecas, que aparecem a ela como uma demanda de que o objeto se submeta livremente a demandar a liberdade do sujeito.