o "bem vivo" que funda a eticidade hegeliana ainda é, sim, uma utopia: que a relação apreendida subjetivamente (por meio do conceito) do bem com a consciência moral só se resolva logicamente num fundamento objetivo para o qual, no entanto, a negatividade da subjetividade seria, felizmente, a passagem - fundamento o qual seria, portanto, imanente à reflexão subjetiva e não um poder substancial cego, um deus vulcânico - não implica sua realidade (no sentido hegeliano estrito da primeira imediatidade, a qual não pode ser deduzida do conceito, não pode ser objeto do argumento ontológico), apenas sua efetividade (a qual é sempre efetividade para o conceito, efetividade para a consciência, a qual é por natureza e segundo seu conceito (o conceito de conceito) incapaz de enxergar além de si (um si ampliado), o que seria uma contradictio in adjecto). (isso o que ruy fausto visa.) efetivo é não apenas o que pura e simplesmente está aí, mas aquilo cuja imediatidade, a qual é a figura do seu ser-posto, é simultaneamente apreendida pela consciência como algo refletido, referido a si mesmo; como essa autorrelação da objetividade, ela já tem a estrutura reflexiva da interioridade subjetiva e pode ser apreendida pela "reflexão total" como momento conceitual da ideia. mas o real é outra coisa - ele não pode ser reconvertido em uma denkbestimmung, mas deve ser conservado como o nome daquilo que o pensamento ainda não trouxe para casa. é por não reconhecê-lo, por tentar esgotar o pensamento em representação, que hegel é forçado a uma reconstrução paranoica do real como totalidade por meio da filosofia da natureza, a qual deve aparecer em todos os pontos como aquilo que o pensamento precisava para ser o que ele já é - em outras palavras, a ser conformidade interna a fins. isso é exatamente o princípio a partir do qual hegel organiza os momentos da finalidade e que contitui o núcleo da teoria hegeliana da ideia (e, por conseguinte, dos estamentos): a purificação conceitual do si a partir do pensamento puro da autoconservação, com a qual o conteúdo dos objetos pelos quais essa autoconservação se efetiva (em termos hegelianos, os objetos nos quais a finalidade tem seu aparecimento) - esse conteúdo é pre-ordenado segundo o conceito da autoconservação: sensibilidade, irritabilidade e reprodução, identidade imediata, diferença e identidade negativa. isso também dá a forma da diferença conceitual rígida entre vida e espírito: enquanto os conteúdos do (modo de vida do) vivente são sempre mais ou menos recebidos de fora, aparecem (erscheint) como pressupostos, como o mundo exterior que o condiciona; no espírito, por meio do sistema das carências, essas condições são postas como produções do espírito, o qual aparece, nesse âmbito, como a necessidade interna, o universal exterior pressuposto que é em si idêntico aos indivíduos e que ordena racionalmente em estamentos (em parte espontaneamente, em parte conscientemente no estado) sua particularização nos conteúdos das carências. (a dedução dos conteúdos particulares da vida a partir do conceito da autoconservação é a transposição metafísica para a eternidade do liberalismo clássico, da mão invisível do mercado.) irrepresentável para hegel é justamente que esse universal exterior (que não é essencialmente o estado, mas o capital, do qual o primeiro segue sendo um momento, assim como o estado é um momento da pessoa do déspota antes da modernidade) não ordene os conteúdos das carências de modo a que a vida se reproduza; que, por meio da purificação com a qual ele se torna independente dos conteúdos particulares da vida, ele se torne independente da própria vida, que sua conversão da vida em meio para o capital e sua organização da vida segundo o conceito do capital seja indiferente à própria vida e, na sua realização, contrária à vida. para marx isso se torna representável no momento em que a sociedade civil, em vez de se organizar em estamentos, se organiza frontalmente em classes antagônicas nas quais a contradição em si entre espírito e vida se torna contradição posta entre capital e trabalho; assim, a utopia comunista aparece como fundamento. o marxismo tradicional fez a tentativa de, por meio da reflexão consciente, constituir como fundamento um sujeito revolucionário que fosse a identidade negativa dos dois lados; mas a passagem para o fundamento se dá no negativo, no capital. esse é o conteúdo de verdade dos aceleracionistas, que não reconhecem que essa negatividade da contradição absoluta, mesmo na lógica, só retorna à identidade negativa se supera a si mesma. mas o problema é que, na realidade, a contradição em si nunca chega a se formar como contradição posta como na lógica, e esse talvez seja o problema fundamental do marxismo tradicional. (esse o conteúdo de verdade da emenda althusseriana pior que o soneto com a teoria da contradição e sobredeterminação) na realidade, nada garante que apareça um positivo que exclua tão inteiramente o negativo que ele seja obrigado a se apreender como autoexclusão e, enquanto isso, a contradição avança para dentro do positivo reencontrando a si mesma num progresso infinito. no que toca à sociedade civil, não parece haver nenhum limite máximo determinado pela vida para além do qual o capital não possa seguir reorganizando o conteúdo dos modos de vida segundo sua autoconservação antes de refletir sobre si mesmo. aqui cabe pensar no limite absoluto proposto por kurz no 'dinheiro sem valor': se a vida não determina um limite ao capital, talvez o capital contenha uma autolimitação na sua referência à vida, isto é, no processo de extração de valor; mas, longe de ser uma contradição posta como o antagonismo entre burguesia e proletariado, trata-se de um movimento suicidário que elimina a vida eliminando a si mesmo (a morte em ruy fausto).

SELEÇÃO SEXUAL E DIFERENÇA SEXUAL simultaneamente, se torna representável para darwin que a origem das espécies - a divisão dos conteúdos das espécies - não está na autoconservação da vida como tal, mas 1) na seleção natural: a contingência do mundo exterior e 2) na seleção sexual: a contingência interior do sentimento de si indeterminado no diferente; ambas são forças de indeterminação capazes de produzir novos modos de vida e, pelo menos essa, não tem o caráter do arbítrio, da possibilidade formal, mas, ao contrário, têm o caráter de necessidade da contingência absoluta. daqui se poderia pensar uma crítica à teoria hegeliana da diferença sexual, a qual a reconduz à conservação da universalidade genérica e não à sua alteração, como em darwin; isto é, há um desencontro no interior da relação sexual a partir do qual a unidade imediata formada (o filho) nunca é apenas a realidade imediata de um fundamento comum, mas realização de uma alteração no fundamento resultante de que a diferença sexual nunca assume perfeitamente a forma da contradição posta. seria esse o caso porque permanece uma indiferença entre os sexos e a relação é sempre proto-contratual? não: parece ser muito mais porque 'A Mulher não existe', isto é, porque o lado do negativo (homem), que se refere a uma encarnação simples da universalidade genérica numa positividade que é para si exclusiva de toda referência a um negativo (a ilusão da natureza, da imediatidade primeira) erra sempre o alvo e reencontra a mesma negatividade: não há uma que não seja fálica (cada particular está referido ao universal); não-toda mulher é fálica (a comunidade de particulares não alcança nunca a todidade).)

PENSAMENTO E IMEDIATIDADE se a efetividade é sempre a do conceito, o real é outra coisa. sem dúvida a crítica da imediatidade é o primeiro passo do pensamento; mas o erro fundamental de hegel é tentar instituir a crítica da imediatez como uma lógica do ser; pois uma vez que se apreende o imediato como pensamento puro, nisso está a petição de princípio da razão de que o imediato é um momento do conceito, uma asseveração que, contudo, ela mesma deveria ser resultado do pensamento. se a categoria da imediatidade faz algum sentido para além dessa negação abstrata da mediação registrada no seu nome, ela busca dar conta do "gefundensein", daquilo que a filosofia centralizará a partir da segunda metade do século XIX sob o conceito de erlebnis; segundo as determinações do espírito subjetivo, os conteúdos da sensação, do sentimento, da intuição. devemos preservar a tese hegeliana forte de que entre intuição, representação e pensamento há apenas uma diferença de forma, não de conteúdo - a qual é, na teoria do conhecimento, a tese última contra o irracionalismo. mas hegel a leva até a desrazão de desvincular inteiramente esses conteúdos do seu contexto vivencial e projetá-los no interior de um pensamento puro e eterno que se relaciona apenas consigo mesmo. para evitar a fixação de um impensável, hegel elimina do horizonte todo impensado. essa asseveração de princípio da absolutidade do pensamento, no que ela determina o pensamento a jamais sair de dentro de si, institui a imediatez como aquela que a mediação precisa para retornar a si mesma sem maiores transtornos, conforma-se à desilusão do mágico de festa infantil de ter de por o coelho na cartola antes de tirá-lo; no que o pensamento abandona a iniciativa de deixar o círculo que ele traçou ao redor de si, elimina no talo a destinação mesma do pensamento de sair para fora de si e retornar à casa com seu outro e, justamente nisso, ser absoluto; a dialética torna-se, de fato, "teoria do falso movimento" quando convertida em sistema total; isso justamente porque em sua forma sistemática ela não é pensamento, mas apenas "representação orgiástica". o contrassenso evidente da lógica hegeliana é que as coisas eram em si pensamentos antes mesmo que houvesse um ser humano para pensar nelas. esse contrassenso reside em seu uso indevido do conceito de pensamento. o conceito de pensamento não é determinável senão negativamente como crítica da representação e seu enrijecimento. a representação - a linguagem - é um produto do hábito, não tem outro ponto de partida que a generalização a partir do singular vinculado a um contexto vivencial - a unidade sintática basal 'sujeito + verbo' expressa o imediato e a mediação à qual ele está referido - categoriza o isto a partir de uma reação subjetiva estereotipada, uma dor ou um prazer, e com isso preserva a identidade do si que reage dessa mesma forma estereotípica - na terminologia hegeliana, o universal-de-reflexão. o pensamento, por outro lado, é justamente a correção dessa estereotipia; é o fazer-se relativamente indiferente à preservação dessa identidade do si a fim de corrigi-la segundo a intuição; mas essa mesma indiferença relativa ao si só se põe em movimento com a dor da representação, a dor de ser esse si, e não pode senão novamente resolver-se em nova representação.

é isso que torna a diferença categorial hegeliana entre as figuras da universalidade - imediata, de reflexão e genérica - uma diferenciação relativa e puramente formal, aplicável apenas situacionalmente a conteúdos determinados, jamais como uma determinação própria esses conteúdos. o conceito de um gênero não se forma para o pensamento senão por sua referência a sua propriedade essencial; a inversão dessa ordem na lógica, pela qual ela apreende o gênero como fundamento do juízo de reflexão, tem por correlato real a dominação pelo gênero daquilo que conta como momento seu. ora, a diferença entre uma propriedade essencial e uma propriedade inessencial é a diferença entre fim e meio, isto é, entre um conteúdo apresentado sob a forma da sua relação ao sujeito (com um termo carregado de valor: útil, feliz, etc.) e um conteúdo apresentado como indiferente ao sujeito; mas, como os meios são essenciais para a obtenção dos fins, eles se tornam igualmente fins. o sentido desmistificado do pensamento hegeliano segundo o qual o vivente existe como a universalidade genérica frente ao singular que ele consome é que o fundamento de que justamente estes singulares e não outros sejam agrupados e subsumidos a um gênero por meio de uma nota característica não é senão que essa propriedade é o conteúdo do fim de um sujeito; que o fundamento da todidade seja o gênero não é outra coisa senão que o fundamento de toda categorização é o fim subjetivo e que as determinações do conceito são a abstração interior do movimento finalístico do sujeito. nessa subsunção sob um gênero a partir de uma propriedade essencial, a variabilidade infinita das propriedades inessenciais é, sem dúvida, elidida por meio da conversão do progresso ao infinito das espécies em todidade; mas não se pode perder de vista que esse apagamento das determinações particulares constitui justamente a dominação que o sujeito exerce sobre os objetos assim categorizados - e, nisso, hegel está certo em afirmar que os animais são idealistas. justamente, nesse ponto, não há nenhuma diferença entre o ser humano e os outros animais (que aliás não se movem apenas por instinto, mas também formam hábitos, extendem mais ou menos seu modo de vida); isto é, eles existem como a universalidade genérica de todos os conteúdos que consituem seu modo de vida particular. o específico do humano é justamente que ele não está restringido a um modo de vida particular, mas é capaz de uma expansão irrestrita dos conteúdos do seu modo de vida, dos conteúdos que constituem fins para ele, por meio da reflexão sobre os meios (é disso que trata a seção sobre a "espécie da carência e sua satisfação" na PhR). mas aqui aparece o problema do argumento hegeliano: nos animais, apenas a má infinitude dos singulares imediatos (espaço-temporalmente exteriores) que apresentam a propriedade que lhes é essencial é convertida em todidade; nos humanos, para hegel, a própria má infinitude dos conteúdos imediatos possíveis do desejo humano (isto é, a má infinitude das propriedades essenciais, das universalidades abstratas já elas mesmas retiradas do espaço-tempo para dentro da memória) é convertida em todidade e remetida ao gênero dos gêneros, o qual, como conteúdo absoluto, antecipa em si todos os conteúdos imediatos. é isso que leva hegel à bizarra teoria da magia (o gênero age sobre os conteúdos interiores mesmo sem nenhuma mediação espaço-temporal) e, especialmente, a adotar (contrariamente ao que diz paulo arantes em algum lugar) a teoria platônica da rememoração, isto é, que, senão todos os conteúdos, pelo menos todos os conteúdos essenciais (mas vimos que essa determinação é cambiante) estão reunidos no interior da alma universal na forma da reflexão simples, no poço do 'bewusstlos'. (o pensamento de um conteúdo não-consciente da alma periga sempre sua hipóstase. mesmo freud flerta com isso em moisés e o monoteísmo hipotetizando uma transmissão hereditária biológica de memórias singulares.) assim, se a representação é registro da experiência, o gênero dos gêneros seria uma espécie de metaregistro, que contém em si esses registros antes mesmo que as experiências sejam tidas. isso é o que hegel chama de 'espírito absoluto', uma mnemotécnica infalível. de fato, as culturas humanas são essencialmente mnemôtêcnicas, isto é, esquemas de esquemas; pois se a experiência lembrada é sempre um esquema, a lembrança da lembrança é o esquema de um esquema; e a cultura é tanto uma tentativa de conferir caráter de necessidade às experiências consolidadas na linguagem para que ninguém jamais se esqueça quanto a tentativa de acolchoar o mundo para que os próximos o reconheçam melhor. no entanto, a memória é falível e nenhuma cultura é jamais espírito absoluto. na sua falta, os humanos instituem a universalidade genérica como deuses e instituem déspotas como seu ser-aí enquanto espécie. quando eles chegam finalmente a instituir a si mesmos, ao seu Eu puro, como déspota, chegaram ao último estágio dessa autoaniquilação enquanto viventes e os deuses descem à terra como A Economia. (dessa questão, aliás, deriva a ahistória da arte hegeliana: a arte simbólica é a "busca" através dos conteúdos naturais-imediatos do conteúdo essencial, o qual é o humano e que é encontrado enquanto natural-imediato na arte clássica; na arte romântica, o essencial é o humano enquanto espírito, na forma específica da identidade negativa do gênero, de modo que os conteúdos naturais-imediatos estão postos como o aparecimento do conteúdo absoluto (como o do fim nos meios).) mas a o teórico do gênero dos gêneros, novamente, tem sua verdade na sua significação prática: é o domínio do domínio; o senhor que domina o escravo que domina a coisa (seja essa escravidão interior ou exterior); é suportar a cisão de fazer-se meio de si mesmo para um fim que transcende esse meio. esse movimento, quando interior ao indivíduo, dão os três momentos do hábito em hegel: 1) suportar a dor e 2) suportar a falta de prazer (em hegel o mesmo?), isto é, suportar a cisão entre a alma (o conteúdo quisto imediatamente, presente apenas no impulso e na memória) e o corpo (os conteúdos efetivamente presentes como exterioridade imediata no corpo), entre o gênero e sua existência; 3) a habilidade, isto é, doar ao corpo, assim posto como objetividade indiferente, como meio, um novo conteúdo que conta, em uma atividade finalística, como sua propriedade essencial. hegel explica essa capacidade de doar ao corpo um novo conteúdo a partir da tese mística de que todos os conteúdos naturais estão presentes na alma como possibilidade abstrata por meio do pensamento (que, se o silogismo industivo apresenta a atribuição da propriedade essencial ao gênero como resultado da mediação da todidade de singulares, é porque ele pressupõe que é o gênero em geral que doa a propriedade essencial ao singular); mas, na verdade, é no intervalo entre memória e reencontro, no qual entra o diferimento infinito da singularidade, que surge o novo, sem que se possa dizer que ele estava dado antes. mas a habilidade tem a forma da infinitude ruim de tipo dois, isto é, do diferimento infinito, da diferença deleuziana: a alma toda é o gênero de todos os conteúdos do seu desejo, e esse gênero está em constante expansão por meio da própria falta. essa expansão por meio da qual o indivíduo incorpora novos conteúdos e se aproxima cada vez mais do objeto é sua tendência à reconciliação com o objeto - e aqui é indiferente se essa incorporação se dá literalmente por meio de uma modificação do corpo orgânico imediato ou por sua extensão por meio da ferramenta e da máquina, o importante é que a aproximação entre fim e meio é também uma aproximação entre interior e exterior e tende à identidade imediata entre sujeito e objeto - esse o conceito benjaminiano de segunda técnica, aquela que depende tanto menos do hábito, da ausência do sujeito, quanto mais depende da habilidade, de sua reunião consigo. mas, para hegel, o essencial no humano não é a habilidade, o movimento temporal pelo qual eu me separo de mim mesmo para me reencontrar maior e melhor mais à frente; esse intervalo temporal - nos termos da história da humanidade, o intervalo entre a invenção de um fim e a invenção dos meios técnicos para obtê-lo - é transposto metafisicamente para um intervalo lógico entre a eternidade e o tempo. não mais o hábito está a serviço da habilidade, mas, ao contrário, a habilidade está a serviço do hábito, os fins a serviço da expansão dos meios como fim em si. isso se deve a que falta a hegel a distinção entre meios de consumo e meios de produção: só aqueles são desejados por si mesmos - só aqueles se determinam como fim por meio da expansão da carência e da habilidade - enquanto estes são desejados apenas como meios, não se determinam nunca como fins em si mesmos e, portanto, são desejados como momento de uma totalidade; de modo que o sujeito que se relaciona apenas com meios de produção não se relaciona consigo mesmo nisso, mas apenas com algo estranho, com o que em verdade é um momento abstrato de uma totalidade. é essa confusão entre meios de produção e meios de consumo que permite a hegel forumular o conceito geral de utilidade, o qual fundamenta o conceito hegeliano de objetividade; uma utilidade em geral, utilidade em si, fora do tempo e do espaço, que deveria fundamentar as utilidades particulares, mas fundamenta apenas sua fungibilidade, a indiferença frente ao conteúdo particular dos valores de uso para o qual a habilidade se direcionava em primeiro lugar. (em termos lacanianos, a demanda é o singular imediato, o desejo é o gênero e o objeto a é o universal-de-reflexão, a propriedade essencial) nessa contraposição entre o gênero dos gêneros e o gênero (posta nos silogismos categórico e hipotético como a necessidade exterior ou interior frente à imediadidade) - cotnraposição que organiza a sociedade civil, a economia capitalista - esse gênero enlouquecido tende a organizar os singulares cada vez mais segundo sua necessidade de autorreprodução, não segundo a vida.

o pensamento é o movimento do sujeito de sair de si e retornar a si agora como um outro, aquele movimento da "respiração" tratadística de que fala benjamin; verdade é o êxito desse movimento; mas esse movimento deve ser apreendido em determinidades, isto é, deve ser representado para não se esgotar em si mesmo (e dialética é toda apresentação das determinidades representadas na qual brilha um pensamento); por isso, não faz sentido (é uma contradictio in adjecto) falar em pensamento puro, isto é, num pensamento que pensa a si mesmo, pois nisso já se afirma como objeto do pensamento, ali para onde ele saiu de si, como seu si mesmo, como seu interior; esse é o teor de verdade da lógica: apreender a falsidade do pensamento puro e am todos os níveis e direcioná-lo para fora de si; sua inverdade é, no entanto, que ela segue representando esse movimento como pensamento puro sem realmente dissolver essa ilusão e mostrar que seus conteúdos são extraídos de experiências concretas, que ele é, em toda a sua extensão, pensamento do outro do pensamento (essa tautologia); assim, ela institui como verdade uma determinidade, um critério fixo por meio do qual ele decide se pensou ou não - isto é, toma a verdade como representação do pensamento, coloca essa representação acima do pensamento e deixa de pensar. cegada pela ideia puramente formal da conformidade interna a fins, a filosofia hegeliana busca fixar o si do pensamento antes que ele saia de si para que saiba como retornar com segurança a ele e, com isso, perde a possibilidade de que esse retorno enriqueça esse si.

MANEJO CRÍTICO DO SER o nome não é um disparate lógico, como diz hegel na seção sobre o algo, mas todas as categorias da qualidade estão afetadas por esse momento de designação ostensiva, pela diferença bruta, assim como pelo momento da identidade nas categorias da quantidade; o avanço analítico da abstração para dentro da imediatez, que desambigua os momentos qualitativos dos quantitativos, é sem dúvida inestimável; mas a síntese dessas determinações no concreto não é solucionável de uma vez por todas e o próprio projeto hegeliano de uma lógica do ser se encaminha para sua autocrítica na teoria da medida, cuja dificuldade a todo tempo alardeada por hegel assim como sua clara ultrpassagem em direção à empiría registra os pontos nos quais o pensamento encontra uma verdadeira heterogeneidade. uma teoria dos materiais artísticos deve avançar na direção da determinação do material a partir das categorias da medida como síntese da qualidade e da quantidade; por outro lado, o movimento lógico geral da qualidade já é o movimento do conceito e, se manejado com cautela e não pressuposto no objeto, reencontra, de fato, aquilo que no pensamento já está no seio da imediatez (até onde uma reconciliação foi reconquistada); a passagem do ser para o algo não é senão a crítica da indeterminação como déficit de individuação, a crítica da certeza sensível novamente; toda a dificuldade reside em encontrar o dever-ser imanente ao ser; pois o algo permanece sempre, enquanto algo, em total indiferença com relação à sua fronteira e é apenas para o conceito que ele está em contradição com ela; mas o algo enquanto algo já é apenas um conceito, o conceito do fora/dentro da fronteira em geral; e a dificuldade está precisamente em determinar, no seio do material, onde isto, enquanto isto, contém um dever-ser que o retira de si mesmo por si mesmo e, apenas na reflexão infinita desse dever-ser, é ser-para-si, e determinar com isso, igualmente, os momentos dessa reflexão, os quais para ele são ainda mero ser-para-outro em si mesmos, um quantitativo (e o são sempre provisoriamente, até segunda ordem); a determinação completa dessa totalidade é a determinação da medida. ao mesmo tempo, esse determinar, que se decide em última instância pela sensibilidade da consciência para a fatura do objeto, é determinar de uma formação teórica referida a uma formação prática; a remissão da determinação completa da medida às determinações do conceito não é senão, sempre, a determinação do sujeito que apreendeu esse objeto, sem que nenhum dos lados possam ser projetados metafisicamente na eternidade, mas também sem que o filósofo que as pensou possa se desresponsabilizar de assumir como sujeito esse estado de coisas e não ter ido além dele. esse o ganho específico do utopismo dialético: assumir no sujeito em todos os níveis o esforço de construção da utopia na realidade, assumir sem restrições que a própria representabilidade (hegel diria: pensabilidade) do real depende da sua relação com a utopia.

ETIMOLOGIAS DO PENSAMENTO o 'denken' e o 'think' remetem à uma raiz germânica 'þankijaną', que é tanto pensar quanto perceber e sentir - na qual se exprime unidade comum no sujeito dessas formas; já a raiz latina 'penso' é a forma frequentativa de 'pendo', literalmente ponderar na balança e metaforicamente, além da ponderação intelectual, também pagar; essa raiz assume a significação de pensar apenas nas línguas romance, mas possui base semântica similar ao "interpretor" (entre preços) - é o pensamento como reflexão exterior, comparação; enfim, como o trocar, como fazer um quid pro quo; como representação, portanto. no latim, era 'cogito', a qual provavelmente é a melhor base metafórica para o conceito de pensamento: 'con-' + 'agito', o qual é a forma frequentativa de 'ago', agir - agir conjuntamente de modo persistente, participar consistentemente no agir de algo (interessantemente, o contrário de 'coagir').

mar 7 2024 ∞
mar 8 2024 +