para uma tipologia das experiências do tempo:
a duração tem esse nome pela referência bergoniana, apesar de que ela não é tão ordinária quanto os experimentos mentais bergsonianos podem fazer crer — em quase todos seus exemplos, se trata apenas de ser guiado passivamente pelos esquematismos inconscientes. na duração legítima, memória e expectativa efetivamente se dissolvem para dar lugar à experiência de uma mudança contínua, de uma passagem cuja presença não se estrutura pela ausência de seu outro, não se constitui uma figura frente a um fundo. se trata de uma experiência da indistinção entre uno e múltiplo, distinção que marca a emergência da determinidade. "multiplicidade qualitativa" serve tão bem quanto os outros oxímoros bergsnonianos: "heterogeneidade indistinta", "distinção sem diferenciação" — poderíamos acrescentar o hegeliano: "o Si que se contempla no seu contrário absoluto"; de modo geral, a coincidência entre o mesmo e o outro que é ausência de ambos —, porque se trata de uma experiência de esquecimento (não da forma em favor do conteúdo como 'massa amorfa', mas esquecimento) da cisão entre forma e conteúdo que possibilita a emergência da determinidade na experiência subjetiva; uma experiência do ser-em-si como puro "para", experiência da extrusão antes da determinação do extrusado e do extrusante. não se pode pensar, como hegel, que a determinação post festum dessa experiência a esgota, mas também não se pode pensá-la como um Em-si fora-da-linguagem, uma interioridade cuja consistência independa da sua exteriorização, de sua passagem para outro, e cuja especificidade possa subsistir isolada em relação à determinidade. como hegel corretamente indica em 'a luminosidade', é nessa "figura da carência-de-figura" que se manifesta como tal a potência negativa antes que seja negação de. a duração é a experiência de ser integralmente atravessado pela alteridade: diria-se que sua significação geral seria a de que a alteridade é o mais íntimo se a redução da alteridade a 'alteridade em geral' já não fosse a própria violação da duração. se a duração é reificada como um inefável, ela se converte no contrário disso, num "originário" como o mais próprio, como o "ser enquanto ser", e uma experiência do "ser enquanto ser" é uma experiência do nada que não é nada de nada, experiência da indeterminação buscada como indeterminação — uma experiência desse tipo se apoia na negação abstrata do escapismo, na fuga do existente que permanece inessencial com relação à atualidade por se produzir em oposição a ele. a legítima experiência da duração, por outro lado, se orienta a uma especificidade não é abarcada pela atualidade, especificidade sem a qual ela não emerge; por isso a duração bergsoniana de laboratório perde o essencial. essa reificação da duração visa o esquecimento da especificidade de uma experiência da duração, sua conversão em uma experiência do nada, pois sua especificidade só pode ser capturada se enfatizamos seu caráter íntimo de passagem, de mudança. contra o ser originário, deve-se lançar mão simultaneamente de duas vias (uma sem a outra cairia na mesma reificação). em primeiro lugar, a descoberta pela matemática da impossibilidade lógica de uma linguagem completa e consistente é uma demonstração de que isso que aparece como uma anterioridade originária em relação à determinidade não é um 'fora' alheio e sem conexão com a linguagem, mas, ao contrário, lhe é imanente e fornece sua estrutura. é por essa via, a da lógica matemática, que se atinge a categorização dessa figura, e esse procedimento é crucial para não se entregar ao misticismo. mas, em segundo lugar, deve-se tomar o valor desse procedimento como coincidindo com o próprio fracasso: essa categorização não pode contar como o resultado pronto e dado de uma vez por todas da experiência da duração em geral. uma apresentação lógica do rescaldo da duração como resultado lógico seria a de que se torna saber a coincidência entre a formalização integral da linguagem e a impossibilidade de tal formalização, paradoxalidade que já indica que tal 'resultado' é inconversível a uma positividade; mas a própria solidificação disso como um saber perderia o essencial, que tem a ver com a materialidade deslizante do próprio significante sem o qual não há saber, que tem a ver com a historicidade subrepticiamente des/relógica (não ilógica, fora da lógica, mas des/reconstitutiva da forma lógica) das oposições que o significante recorta. isoladas, essas descrições lógicas tornam a experiência da duração tão homogênea, isto é, tão coisificada como a da busca pela 'origem': talvez esse seja o sentido mais penetrante da denúncia adorniana de que não se pode converter a crítica dialética da prima filosofia em uma filosofia do último. contra essa coisificação, é preciso sustentar a contradição: a duração se orienta a especificidades, mas tais especificidades só são reconstituíveis pela determinidade da linguagem, o que abole a própria experiência da duração. uma outra manifestação do rescaldo da duração, que talvez indique melhor sua especificação, é a semântica histórica. uma pesquisa como a de koeselleck revela como a 'história estruturalista' produz as vigas de ferro da evolução semântica; mas a argamassa que as circunda continua sendo subrepticiamente fluida. existe uma retroalimentação, na determinação de dado semantema, entre as oposições que o constituem e os objetos positivos associados ao semantema, que só se constituiram enquanto tais, em primeiro lugar, pela diferença opositiva do significante; não é possível pensar a primazia de um sobre o outro. por essa razão, o critério sobre se houve ou não experiência da duração — critério subjetivo e nunca externamente verificável por outros, ainda que comunicável — deve ser explicitado claramente: se aquilo que os esquemas prévios da memória só conseguem reconstituir como elementos discretos e opostos foi experimentado como contínuo; nas palavras de lispector, o neutro, que terá que ser entendido com o sentir; isto é, o critério é a experiência do colapso dos esquemas, cuja sobrevivência passa a ser experimentada como falsa na imediatez, no gut feeling. um exemplo particularmente agonístico é a estrutura X de kontakte, em que os parâmetros da altura e do ritmo, cuja descontinuidade é uma invariável antropológica determinada pelo aparelho auditivo, são experimentados como contínuos; a própria notação da peça apresenta uma descontinuidade e, post festum, não é possível experimentar o recorte de um ou outro instante como simultaneamente ritmo e altura; para reconstituir a experiência da continuidade, a memória tenta contaminar um pelo outro e sente, no timbre áspero da altura, o prenúncio do ritmo e, nos vazios auráticos entre os pulsos, o resquício da altura; mas é incapaz de produzir novas estruturas de determinação que dêem conta do acontecido. a continuidade, que é a verdade do fenômeno físico, é inapreensível como tal pelo aparelho auditivo, o que resulta na incorporação estética da obsolescência do humano frente à máquina. verdade parcial que se torna mistificação. (nesse sentido, adorno está errado em ver aí simples espacialização; isso só seria o caso se os procedimentos de homogeneização e quantificação dos parâmetros presentes nas forças produtivas da música participassem na percepção, o que não é e não quer ser o caso; o resultado é uma falsa superação técnica da técnica, em que a quantificação técnica integral do tempo, sua dominação completa, é imediatamente experiência da continuidade indiscreta, da fusão subjetiva com o tempo, sem que o inverso seja verdadeiro. a forma-momento é inegavelmente uma passagem, mas cujo tornar-se é irreconstrutível pelo ouvinte; é, de fato, "oculto" em si, místico, portanto. a incomunicabilidade entre a determinação total oculta e a anulação da determinidade na experiência perceptiva é a figura mais clara da contradição do capitalismo pós-revolução digital e do trabalho do zelo, momento em que o avanço das forças produtivas superou efetivamente a necessidade do trabalho como medida do valor, mas em que em vez de isso resultar no colapso da lei do valor como estrutura lógica da reprodução social, essas estruturas são mais opacizadas que nunca pela financeirização e pela ideologia do empreendedorismo, que expropriam algo impossível de normatizar, a capacidade do trabalhador de navegar na duração. enquanto a abstração é imediatamente sentida por todos como falsa, o sujeito não consegue reintegrar essa falsidade produzindo determinação, e o neofascismo emerge, como sempre, como negação abstrata da abstração.) apesar disso, a duração não é simplesmente um esquecimento, mas é uma experiência verdadeira do tempo, pois a degradação germinativa das oposições estabelecidas participa na verdade do tempo. entender a duração como uma experiência do tempo plena de verdade, como qualitativamente diferente da mera estaticidade e, portanto, irredutível aos efeitos de linguagem determinados que produz — ainda que integrante da experiência da linguagem como um fora de si mesmo —, é crucial para não apreender o "perdão", que, como disse lispector, é um atributo da matéria viva — a experiência do absoluto como autocontemplação da negatividade absoluta na positividade absoluta e vice-versa — como algo passível de ser representado como resultado, ou seja, como apreensível na íntegra pelo lado da negatividade no ser-aí da linguagem, que sequestra o semblante de uma positividade absoluta. privilegiar a negatividade da linguagem como via para o absoluto é reduzir a experiência subjetiva ao modelo da abstração do trabalho — cuja figura fundamental é a negação abstrata produzida pela percepção, a extrusão produtora de multiplicidades quantitativas estranhas ao sujeito, a imposição do esquema sobre seu outro. de fato, o fim do trabalho só pode significar a obsolescência da abstração apreendida como momento oposto à Coisa mesma, a obsolescência do saber enquanto um retirar-se em relação ao agir e, portanto, uma experiência do saber que é agir, da negação que é positivação. a ideia adorniana de que a dialética deve recusar tanto as filosofias primeiras como as filosofias últimas, que se concretiza no método da crítica imanente, deve ser tomada dialeticamente não apenas como princípio epistemológico, mas como tentativa de concretização realista de uma atividade que busca superar a forma do trabalho, recusando funcionalizar o objeto com fundamentos extrínsecos (ou seja, recusando a dominação) para participar na sua essência, que é seu tornar-se outro específico. por outro lado, o agir absoluto não é sem saber; isso aponta para o problema da falsa reconciliação da indústria cultural e mesmo das obras pop avançadas: o "jogo" e a "segunda técnica" benjaminiana e mesmo a disjunção adorniana estanque entre saber e felicidade parecem, por vezes, apontar para um horizonte de felicidade como aniquilação do saber no agir, de esquecimento passivo da técnica, de recusa da negatividade e, com isso, de uma facilidade e inconsequência integral do esquecimento feliz. (talvez, por outro lado, o "esforço feliz" do sexo, que adorno toma como modelo contra o cálculo do prazer como menor esforço, já pareça problemático por sua semelhança com a identificação completa ao trabalho como realização pessoal demandada pelo neoliberalismo e, por essa razão, a música pop passe a insistir que é muito mais fácil ser triste e fracassado — daí a recusa ao sexo de morrissey, frequentemente unida à recusa ao trabalho como realização: "i was looking for a job and then I found a job / and...", "why do I give valuable time / to ..."; 'you've got everything now' reverte completamente a primeira indicação do discurso da "cigarra contra a formiga" implicito no primeiro "who is rich and who is poor, I cannot say" pedindo, ao final, para ser torturado, admitindo a própria autocomiseração; facilidade e inconsequência não deixam de ser traços clássicos do gênio.) essa recusa de que a negatividade participe da felicidade faz sentido num mundo em que negar e abstrair parecem sinônimos, em que mesmo a crítica do trabalho só pode realizada como trabalho intelectual. num mundo livre de trabalho-dominação, no entanto, as próprias coisas pedirão ajuda para tornarem-se outras, apenas para poder experimentar ser mais que elas mesmas (sua figura, como esse pedido, já será uma alusão do outro, alusão cuja forma falsa é a linguagem evocativa de bergson), e essa dádiva recebida gratuitamente já será o próprio dar, a 'reciprocidade' específica de um pacto inquebrável com a quebra dos pactos. a facilidade de ser feliz é de uma nostalgia infinita da tristeza. atualmente, no entanto, só se colhe os frutos da duração abandonando-a como experiência da duração; mas esse abandono não é, necessariamente, uma violência, pois a legítima experiência da duração, se levada a cabo, conduz, desde dentro, à sua saída para a determinidade que quer resgatar o específico da sua dissipação no esquecimento: esse é o sentido do "demorar-se" do aforismo 46 da minima moralia, demorar-se que explode toda possibilidade de método. que esse demorar-se é capaz de efetivar a especificidade da duração, foi proust quem, de modo irrecusável, nos deu o testemunho disso; aliás, a partir de proust, a posição inefetiva do intelectual só se valida a partir da experiência da duração, sem a qual ele passa a gestor dos esquematismos atuais. as peças do 'phasing' de steve reich construídas sobre o delay da fita magnética, como "it's gonna rain", evidenciam a duração por um artifício (que reich entendeu bem ao comparar com a observação de uma ampulheta): dispondo precisamente do esquema geral do que se passa (o esquema cognitivo-perceptivo da função entre o delay e a extensão temporal do sample), que é feito para ser, como tal, absolutamente tedioso é, por isso, esquecido, derrapa para fora da consideração, e o ouvinte se abre para o jogar-se na pura superfície do som em passagem, na sua granulação não contida na fórmula do delay; seria isso uma comunicabilidade entre determinidade e continuidade? de qualquer modo, isso é destruído no momento de "piano phase", em que a redução completa da superfície sonora à composição alográfica desprovida de acontecimento nos deixa com a experiência mais óbvia do passatempo como tédio.
o passatempo é o legítimo esquecimento do tempo, sua espacialização, o tempo como série de instantes justapostos que apenas se diferenciam para dar forma à descontinuidade com o anterior e produzir movimento, fazer o tempo andar, mas sem que isso represente uma ruptura com o anterior; com isso, ao modo de lampedusa, paralisa-se o tempo. só aqui, e não na duração, cabe falar, com adorno, da "varieté", isto é, quando o que se faz presente se resume à negação abstrata de sua anterioridade, à mera oposição formal com seu outro, homogeneizando e reduzindo o tempo a um esquema espacial. isso pressupõe uma prévia redução qualitativa do sensível sob o esquema geométrico da visualidade, que é o que justifica que falemos em espacialização. o modelo máximo de tal experiência do tempo é o regime de trabalho taylorista: as relações multiformes entre o corpo humano e as coisas são analiticamente decompostas em elementos mínimos reduzidos a uma quantidade abstrata de tempo prescrita, que é então somada para calcular o tempo total prescrito para uma tarefa laboral; o resultado é que o verdadeiro agente do processo de trabalho se torna tal esquema, convertendo o trabalhador, a ferramenta e o objeto em pacientes da valorização. (de forma bastante semelhante poderia ser descrito o sistema compositivo tonal: os eventos presentes contam apenas como ilustração alográfica das quantidades abstratas notadas na partitura.) a passagem do taylorismo para o trabalho do zelo é relevante nesse sentido: se trata de uma expropriação da atividade intrínseca à experiência da duração, uma injunção a que o trabalhador aprenda a manejar criativamente a relação entre, de um lado, as relações multiformes do sensível e, de outro, a abstração da função valor de uso = força x meios x objeto de trabalho, que, no limite, conta apenas como esquema geral que deve, para que funcione, preservar sua determinidade sem que, no entanto, as determinações dos seus elementos sejam previamente dadas. a experiência do nada como nada de nada também é uma experiência do passatempo, como tédio que quer ser tédio: ele não se deixa passar para a duração por estar encarniçado contra alguma ferida determinada produzida a vida cotidiana, alguma culpa, alguma vergonha; é a exigência de que o 'originário' repare essa ferida que constrange o sujeito ao passatempo: é a experiência da reiteração contável do mesmo fracasso — e é daqui que, talvez, seja possível tirar uma definição não reacionária do 'ressentimento'. o passatempo está sempre entre o tédio e o entretenimento, que se supõem mutuamente, são as duas faces da mesma moeda: o tédio é a forma vazia e o entretenimento é aquilo que a preenche. o tédio completamente esvaziado de entretenimento periga desnaturar o esquema espacial e transformar-se em experiência da duração; já o entretenimento que preenche demais o tédio ameaça romper seu esquema e se transformar em Momento.
modelos para o Momento: a revolução; o dramático de beethoven; o prolongamento da iminência do orgasmo e o orgasmo: nos realmente intensos, perdemos a possibilidade de distinguir se já estamos ou quando acabou; suspense = aufhebung; a 'odisseia da imobilidade' de bloch. o "ir para baixo" contra o "ir para cima", a intensidade mínima e a intensidade máxima, são maneiras insuficientes de designar a diferença entre o momento e a duração. mas talvez a tensão, o 'esforço feliz', apontem para o central do Momento: é o que conta para o sujeito como a extenuação máxima do seu Si, como o que ele consegue empregar de si mesmo como um si mesmo; ou seja, é a outra face do "Si que se contempla o seu contrário absoluto": como o Si absoluto que é o Outro, em vez de como o Outro absoluto que é o Si. o ponto de contato entre a formalização integral e a 'informelle' é o ponto de contato entre o Si que alcança o íntimo do Outro e o Outro que alcança o íntimo do Si. talvez essa diferença de ênfase não tenha nenhuma substancialidade própria a não ser a que ela retira da experiência histórica, a fonte de toda a substancialidade possível. um modo de apreendê-la é pela via dos afetos: a expectativa máxima que me lança na confiança de me arriscar a ser Outro e o desespero positivo que colapsa meu Si. se tornou duvidosa a aposta dos comunistas de que a diferença entre os dois é desprezível — ainda que essa aposta seja o que caracteriza a posição do militante em relação à única outra atualmente válida, a do intelectual, que se reserva conceder ou não o 'perdão'. o Si que trabalha contra o trabalho e é o produtor da continuidade da experiência que alcança o Outro tem por seu modelo a atividade na qual todos participam como ativos; o Si que colapsa e se lança em queda infinita na alteridade é a extensão da passividade ao absoluto. daí o tal "anarquismo da matéria" de alguns, que de modo algum pode ser tomado como ontologicamente comunista: sim, a distinção entre anarquismo e comunismo deve ir até aí, só aí faz sentido. e a panaceia terminológica do "socialismo democrático" só serve para enganar a si mesma, pois o momento 'totalitário' não é um acidente, talvez seja mesmo essencial. só contra ele se testa a capacidade da atividade total de, a despeito disso, estar orientada por um conteúdo em vez de ser a liberdade absoluta abstrata do fascismo: passando para uma atividade de deixar ser. mas a gelassenheit, de outro lado, não pode incorporar o movimento de reunião, a continuidade de percurso produzida pela via traçada pelo agente. a conversão do desespero em gelassenheit sem passar pela atividade é outro nome do tédio.