A tradição marxista vem consistentemente concebendo a ideologia como constituída por dois níveis: A concepção mais antiga da "falsa consciência" das condições materiais, da ideologia enquanto uma má visão, um distanciamento subjetivo da realidade objetiva; essa visão dá conta apenas de operações de mascaramento. A concepção althusseriana de ideologia dá um passso atrás: a ideologia não é apenas uma concepção sobre as condições materiais, é uma concepção sobre a relação de um sujeito com suas condições materiais também opera com o destanciamento entre o nível das condições materiais e da subjetividade, localizando a ideologia nesse entremeio. Há ainda um problema com essa concepção: sua única utilidade analítica é a constatação de que dado fenômeno é ideológico, sem que seja possível pensar o que fazer com isso; a ideia subjacente é a de que não há uma relação entre as condições materiais e o sujeito e que qualquer maneira e conceber tal relação é sempre ideológica. Proponho pensar a ideologia como uma certa articulação entre a estética e a ética, em que certa estética (ou apresentação do mundo) se coloca na ausência de seu substrato ético constitutivo (a prática que lhe subjaz e a mantém); ou, de outro ponto de vista, uma articulação em que certa ética (aqui entendida como a condição subjetiva de toda prática) se realiza por meio de uma estética que define retroativamente os entornos dessa ética, ou seja, é a produção de uma ética a partir de uma estética (e não o contrário), é uma modelagem das aparências do mundo que não leva em consideração a essência do sujeito e, por isso, lhe impõe determinações que, se não fosse por isso, ele poderia transcender. É sempre uma maneira de dizer: não há o que fazer; ou melhor, é sempre uma maneira de formular a questão "que fazer?" que inviabilize qualquer resposta que não seja a própria negação da possibilidade de fazer. Com essa concepção, é possível resolver o problema de Althusser: o horizonte de análise colocado é não só a constatação de uma ideologia, mas a formulação de uma maneira de fazer aparecer, no vazio central que consitui uma estética ideológica, a ética que a subjaz e as relações estabelecidas entre ambas