hegel vincula música e nostalgia no seu capítulo sobre a consciência infeliz na figura da primeira modalidade de relação da consciência-de-si singular com o Imutável, a relação como pura consciência. ele condena sua interioridade fechada em indeterminação, que já é em si o imutável, a jamais ascender à consciência imutável em si para si. isso porque, para isso, seria necessário passar pelo conceito, que a música exclui de antemão. mas hegel o faz apenas para confirmar a infelicidade da consciência-de-si singular justificando a ética protestante do trabalho com a figura da consciência que sacrifica alegremente sua singularidade para ser em si e para si espírito. a diferença entre a universalidade realizada pelo conceito e a universalidade imposta pela dominação do senhor revela-se apenas como a de que, naquela, o singular se sacrifica voluntariamente, o que hegel apresenta sem pudor como grande vantagem.
sabemos que é nesse ponto que se instaura a crítica de marx, que poderia mesmo ser compreendida como uma tentativa de recuperar o potencial crítico da segunda modalidade de relação ao imutável: pelo trabalho e pelo desejo. não tem outro sentido sua reivindicação, contra o trabalho abstrato, do trabalho concreto como metabolismo do homem com a natureza, como saciedade política da minha atividade individual, em que também minha singularidade é para mim reconhecida no universal. por falta de imaginação, hegel não teria percebido que as forças produtivas avançam na direção da eliminação da separação entre trabalho manual e intelectual. (retomar o parágrafo polêmico do "processo de trabalho" no capital e pensar sua relação com a mímese em adorno e o spielraum em benjamin: "Além do esforço dos órgãos que trabalham, a atividade laboral exige a vontade orientada a um fim, que se manifesta como atenção do trabalhador durante a realização de sua tarefa, e isso tanto mais quanto menos esse trabalho, pelo seu próprio conteúdo e pelo modo de sua execução, atrai o trabalhador, portanto, quanto menos este último usufrui dele como jogo de suas próprias forças físicas e mentais. [a subjetividade como vontade é produzida pela teleologia da técnica como dominação e será abolida pelo próprio avanço da técnica, que o transforma em jogo do humano com a natureza] )
mas, então, faltaria ainda recuperar a verdade da primeira modalidade de relação com o Imutável: a nostalgia da música, que insiste em prometer a felicidade triste de uma reconciliação que não passe pela "captura" (con-cepere) do imutável. se hegel tivesse reconhecido a potência reconciliadora do sensível, teria encontrado o fundamento que lhe faltava a sua estética, que ele sabia ser um saber exterior. poderia-se até imaginar que, defrontando a imutável infelicidade do singular, hegel não se resignasse a validar apenas o caminho do espírito e decidisse escrever a fenomenologia da estese; isso se a potencia reconciliadora da estese não fosse radicalmente anti-totalizante. mas ele não o faz porque entende que aquilo que está aquém da lógica da identidade só pode existir sob a figura do isolamento baseado na autoconservação: é o sentimento-de-si, o paradigma hegeliano da animalidade. na seção sobre a razão observadora, ele expõe isso claramente: a atividade daquilo que, enquanto não desvanece, não é para-si conceito, cujos atos aparecem como contingentes, só pode ser em-si uma ocultação da necessidade porque seu movimento de autoconservação tem a pura forma do conceito de fim. mas a autoconservação não é a forma do aquém da consciência no sujeito. hegel mantém essa opinião porque ele pressupõe a perspectiva da consciência, para a qual nada pode aparecer que não apareça também sob a forma do ser-Uno, isto é, como objeto contável. isso porque, como exposto no capítulo do entendimento, ao encontrar o conceito da diferença em-si como a forma do verdadeiro interior do jogo de forças -- uma forma que é, portanto, conceitual -- hegel entende que esse conceito é a própria consciência-de-si e, portanto, que todo ser-Outro da consciência já é, em si, consciência. no entanto, ainda que seja verdade que tudo que aparece sob a forma da consciência tenha seu fundamento no conceito da diferença em si, isso não dá conta de pensar as formações do inconsciente como produções subjetivas, pois o que estas apontam é para uma clivagem do sujeito entre consciência e inconsciente. a diferença em si de hegel não é senão o traço unário, que não é produzido pelo sujeito, mas só é "incorporado" por meio da identificação primária, que é a "separação" lacaniana. o aquém dessa separação, longe de ter a forma da autoconservação atribuída ao sentimento-de-si, tem a forma de um desamparo e de uma não-independência radical com relação ao Outro. o que funda a consciência, portanto, é o recalcamento originário, recalcamento dessa dependência original do Outro que estrutura as pulsões parciais; é isso que constitui o núcleo traumático do sujeito, que ele não seja a origem de si mesmo.
aqui entra a questão da troca e da sua abstração real como fundamento histórico da identificação simbólica, que depõe a posição de que a lei do pai e o gozo fálico são o horizonte inultrapassável da síntese social. aqui entrariam as fórmulas da sexuação femininas.