para realmente tratar do objeto do ensaio de sontag (se é que há uma unidade entre os objetos ali dispostos), deveríamos começar por uma distinção fundamental, sem a qual continuar falando de 'camp' é uma desculpa lustrosa para justificar o pior: a distinção entre a democracia aristocrática, a daquele que encarna a 'voz dos oprimidos', e a aristocracia democrática dos esquecidos, a que rodó quis confundir com a meritocracia. existe um estilo democrático que é profundamente reacionário; é o que por vezes se chamou de populismo ou de ditadura da maioria. a ênfase no consenso entre oprimidos, na auto-afirmação como imposição de força, na pose vindicativa de buscar adesão das pessoas que, toda vez que falam, falam como se fossem as únicas que têm a coragem de dizer o que todos escondem hipocritamente. diante dessa pose, deve-se continuar adotando a máxima de oscar wilde, mas há um problema adicional. de modo geral, aquele que adota a pose da 'naturalidade' que wilde criticava faz isso a serviço de um conteúdo pragmático-instrumental que é o horizonte mesquinho mas efetivo do seu interesse. a democracia aristocrática não: seu caráter paradoxal é o de ser uma pose de naturalidade que não está está a serviço de nada senão da própria pose de naturalidade. isso se demonstra pelo fato de que os 'conteúdos' da sua mensagem é uma colagem sem fio pragmático. ela resulta de que essa pose 'down to earth' começa a girar em falso e se descola da função pragmática da maximização dos ganhos. seu caráter de improviso apenas não transparece porque depende de uma apreensão da experiência baseada num presente total: o estreitamento pragmático dos horizontes se torna antipragmático quando o esquecimento hiperbólico dos fins últimos, pressuposto pela razão subjetiva (que no entanto pressupunha o cálculo minimo das expectativas e dos resultados), se inverte no único valor ainda compreensível de se afirmar absolutamente aqui e agora. no entanto, nessa conversão da naturalidade total em artifício total, ela se aproxima inadvertida e perigosamente da posição de wilde. mas a insistência inconsequente na consequência deve poder ser distinguida da insistência consequente na inconsequência, e se a dialética não serve para nos orientar diante disso, ela já não serve para nada.
se essa descrição bem caberia pra boa parte dos movimentos fascistas, do mesmo modo para um certo ethos dos movimentos de minorias, o chamado do ethos 'identitarismo' -- e é aqui que ela interessa no debate sobre o camp. é no movimento LGBT que a clássica adoção fascista das insígnias brilhantes do poder alcança sua forma agonística: é óbvio que a adesão acrítica às figuras pop, a imitação da riqueza, o 'glamour' serve ao cimento social do grupo e se converte em tabu. para além da diferença das massas específicas, do ponto de vista da lógica da adesão, a regina george e o kaiser são apenas superfícies diferentes, pois são já em si a pura superfície.
também a antítese total a essa autoafirmação dos oprimidos e a insistência nos esquecidos como esquecidos, no entanto, termina no esquecimento da noção de classe e no desengajamento.
se os exageros aristocráticos art nouveau são feios, o são por abundância, mas ao menos em princípio excluem o repulsivo. talvez uma abordagem seja pensar em que momento o excesso de glitter se torna nojento e o grotto se torna grotesco.
proust, tão dandy quanto oscar wilde, é o ideal bem sucedido do camp, é claro. a madeleine com chá não é apenas uma banalidade, ela é uma delicatessen. sua preocupação não é de universalizar, mas de salvar o delicado e o frívolo; se ele termina por fazê-lo, é por acidente. essa é a atitude essencial da aristocracia democrática.