talvez meillasoux tenha encontrado finalmente a maneira pela qual o pesamento do absoluto em suas expressões mais altas no pré- e no pós-criticismo, isto é, em spinoza e hegel, se concertam mutuamente.
a noção de transfinito pela qual meillasoux esclarece sua noção de contingência, isto é, uma contingência não cernida por um campo de possibilidades totalizável, isto é, portador de possíveis previsíveis, é, de fato, o "absolutamente infinito" spinozista. caberia, é verdade, criticar a apropriação irrefletida da lógica modal aristotélica por spinoza, que vê toda contingência como déficit de conhecimento da cadeia causal, pois entende a onipotência divina precisamente como o campo em que todas potências 'existíveis' existem em essência previamente à sua atualização. no entanto, existe uma profunda semelhança entre a progressão argumentativa de meillassoux e spinoza: o argumento principal deste, pela impossibilidade de acionar a facticidade para revogar a contingência absoluta é análogo ao argumento daquele pela impossibilidade de negar a existência de um ser 'absolutamente infinito'; o argumento deste pela irrevocabilidade da contingência (isto é, sua necessidade) é uma repaginação do argumento daquele pela indivisibilidade da substância. ainda assim, se é concebível uma contingência que não se inclui no campo do previamente possível -- porque transforma esse campo mudando suas leis atuais --, então o real deixa de limitar-se pelo concebível para aparecer precisamente como o atualmente impossível.
para meillassoux, o ser não pode ser inconsistente, isto é, não pode permitir uma ordem na qual tanto a afirmação de um ente quanto sua negação possam ser prováveis, já que não seria possível retirar sua existência e isso o tornaria necessário. no entanto, pelo primeiro axioma de gödel, nenhum sistema consistente pode ser completo, o que torna necessário que o ser seja sempre contraditório em ato. é isso que garante que toda ordem guarda a possibilidade imanente de sua revogação. aqui se torna possível, por outra chave, o pensamento dialético: a contraditoriedade imanente a toda ordem não é a promessa de sua completude, mas a possibilidade de sua aniquilação: a reconciliação não é, senão, irrevocabilidade da revogação contingente dessa ordem aparecendo como possibilidade imanente.
o absoluto de meillasoux, no entanto, é de um tipo inteiramente diferente a todo pensamento anterior, pois toda prima philosophia sempre tentou produzora relação com o absoluto que garanta uma estabilidade mínima do existente. o absoluto de meillassoux, ao contrário, não garante senão a contingência do presente. caberia verificar a validade desse argumento e pensar que teoria política poderia surgir daí.
para horkheimer: "Os sistemas filosóficos de razão objetiva implicam a convicção de que se pode descobrir uma estrutura fundamental ou totalmente abrangente do ser e e que disso se pode derivar uma concepção do destino humano." (eclipse da razão, p.17) o que está em jogo nesse tipo de filosofia, no entanto, é um conhecimento da estrutura fundamental do ser que não implique em qualquer destino fundamental, que não oriente a ação tendo em vista a realização desse destino, mas que permita o abandonar-se no mundo.