se identidade pressupõe unidade, o contrário não é verdadeiro. a identidade é apenas uma das formas de configuração de uma unidade, a saber, sua constituição como homogeneidade interna e isonomia externa.
homogeneidade porque a identidade só é divisível em partes na medida em que estas já devem ser imediatamente reflexo da própria identidade, remetem inequivocamente à identidade e não podem significar nada senão a própria identidade, pois se no interior da identidade convivessem duas partes que originam outra coisa senão a própria identidade ela não seria um "homo-genus". homogeneidade é a erradicação do outro em si. o que me é idêntico me constitui imediatamente, enquanto o que não me é idêntico me é irreconhecível.
por essa última razão, a identidade como princípio de constituição da unidade também devem pressupor a isonomia em relação ao seu outro: este também deve erradicar o outro de si para que nada seu remeta ao outro de modo que o limite entre o eu e o outro seja intransponível porque inexistente enquanto tal, marca de um abismo sem fundo, um nada impossível se entificar-se que contornaria o ser. a isonomia, se plenamente realizada, seria, em ultima instância, uma total anomia; não apenas autonomia, mas a total inexistência de lei, de razão. pois se a identidade fosse capaz de realizar-se plenamente como lei de constituição da unidade, desembocaria em um mundo sem quaisquer relações. o ser não seria capaz de exteriorizar-se e permaneceria sempre encerrado em sua própria indeterminação, que tudo abrangeria: se houvesse outro, ele seria inimaginável, imperceptível ou inexistente.
como o outro de existe, é perceptível e não se faz outra coisa senão imaginá-lo, a identidade é pervertida a partir desse ponto. a isonomia já não pode mais ser pensada como constituição autônoma de sujeitos, mas como constituição heterônoma pelo limite entificado que mostra as defasagens entre eu e o outro. este limite, enquanto limite para a significação desde o significante, infiltra os significados com referências ao outro, de modo que a homogeneidade fica perdida.
obs: é preciso um conceito de contradição passível de sustentar a unidade do contraditório sem colapsá-la em uma síntese nem imobilizá-la na identidade e apagar a contradição. em suma, a esquerda precisa pensar meios de sustentar sua unidade por meio mesmo da exploração de suas contradições, elas mesmas uma atualização da contradição imanente à vida social.
o problema da compreensão de safatle da necessidade em spinoza é que ele entende que a segurança, como afeto central para o vínculo político baseado na negação da contingência, se justifica pela capacidade de prever, de religar os efeitos às suas causas antes mesmo que eles se produzam, de maneira que o intelecto seja capaz de se antecipar à substância em seus modos. no entanto, essa não é a questão: o intelecto, como modo da substância pelo atributo do pensamento, é desde sempre causado pela substancia e sua posição na ordem das coisas lhe é ontologicamente anterior. isto significa que a compreensão da necessidade das coisas não é a previsibilidade dos seus efeitos, mas a capacidade de enxergar na singularidade do existente a unidade imanente que liga os modos da substância. assim, se o desamparo é o afeto preparatório para a lida com a contingência, enquanto negação do poder instituído, a segurança é o conhecimento de que nada que aconteça desintegra completamente o intelecto, pois ele mesmo já é desde sempre um modo da substância e, como tal e como todo o existente, produção desde a substância. é preciso, então uma compreensão da substância nem como presença estabilizadora de expectativas nem como força de tração desagregante para o indiferenciado, mas como o irredutível ao intelecto que liga todos os seres sem jamais se anunciar como presença. o contraditório do ser não é a promessa de sua reconciliação, mas aquilo que impede todo dito de acabar em si mesmo. por isso, de nada adianta que adorno negue uma imagem positiva à utopia como promessa do ser; é preciso poder agir não como o realizador de uma promessa não cumprida, mas como quem está seguro de poder explorar as possibilidades do ser sem que ele perca sua integridade, portanto, sem nada a perder.