o que a dialética quer não é simplesmente um absoluto, mas um verdadeiro absoluto. ela quer a paz, mas não se contenta com uma paz que seja um retraimento do fazer, que seja a exclusão daquilo que permanece como um exterior a mim; ela não se contenta com a morte. pois um pensamento que só imagina a paz sob a figura de um 'fazer nada' é um pensamento que deseja a morte. ela só se contenta com uma paz que se vincula intimamente a um fazer. isto é, ele é a figura da subjetividade que interioriza que "a mulher não existe". pois se "não toda mulher é fálica" e "não existe uma que não seja", então não se trata simplesmente de desistir de ser uma mulher, mas de ser não toda fálica, não simplesmente se retirar do campo do fálico, mas permanecer vinculada de uma forma que não a figura ressentida da vida em déficit, a figura do infinito ruim: "existe uma, mas eu não cheguei lá ainda". o que se trata é de suspender as figuras do "a história ainda está pra começar", abolir a oposição entre o "no princípio houve e perdemos" e "no final, alcançaremos", descobrir que a todo tempo há. isto é, ao mesmo tempo em que ela não topa uma paz que seja uma retirada do campo to fazer, ela não topa permanecer sob a figura de um "por fazer", de um "ainda não feito". é uma hipótese que essa figura de sujeito seja mesmo a figura do saber absoluto hegeliano.

com relação à linguagem musical e a adorno, a concepção da ideia dialética da música como a eliminação da repetição pela repetição é uma figura do infinito ruim. a ideia dialética da música precisaria ser uma figura do saber absoluto. se quisermos expressar o saber absoluto por uma metáfora temporal, ela é uma figura do sujeito para a qual só depois cada ato aparece como ainda não feito, e não como presentemente em falta. essa é uma interpretação possível do conceito de 'graça' de bergson: um movimento que não é um movimento de suprir uma falta, mas em que a cada momento novo, fica claro o porque ele se segue ao anterior. só depois de aparecer ele aparece como aquilo que faltava, de modo que a consciência não fica sob a égide de "ainda chegar". chega-se ao saber absoluto quando se passa de uma infelicidade alegre para uma felicidade triste, pois aquilo que busca alegria está sempre no campo da infelicidade; no fundo, o ressentimento não é um afeto pior que a resignação. há, aliás, um potencial anti-aceleracionista nessa recuperação de bergson: o de um vitalismo triste. talvez por isso que o pensamento de adorno, apesar de ser um esforço enorme pela vida, pareça (e às vezes seja mesmo) um pensamento frustrado: porque, para além da questão de ser ou não castrado, ele é um pensamento da frustração.

jun 12 2020 ∞
jun 12 2020 +