Ora, a 6ª tese inteira é: "Feuerbach resolve a essência religiosa na essência humana. Mas, a essência humana não é uma abstração inerente a cada indivíduo. Na sua realidade ela é o conjunto das relações sociais. Feuerbach, que não entra na crítica desta essência real, é, por isso, obrigado: 1. a abstrair do processo histórico e fixar o sentimento [Gemüt] religioso por si e a pressupor um indivíduo abstratamente - isoladamente - humano; 2. nele, por isso, a essência humana só pode ser tomada como "espécie", como generalidade interior, muda, que liga apenas naturalmente os muitos indivíduos."
Isso significa que não chegaremos a uma verdadeira teoria do sujeito marxista se continuarmos tomando-o como sinônimo de indivíduo, como se a única condição necessária para brotar um sujeito fosse haver ali um indivíduo, ou seja, uma unidade indivisível que expressa, em suas ações, uma interioridade que não estabelece uma relação dialética com a exterioridade, que simplesmente a replica, como uma "alma" que representa de forma imediata a exterioridade -- seja ela entendida como divina, natural ou social. Esse é o problema de qualquer tentativa de releitura humanista de Marx: não dá conta de pensar o sujeito a partir da dialética do universal e do particular como produtora de singularidades, mas o reduz a um universal já-dado, assim de graça, a um ente que simplesmente repete uma "abstração inerente".
Mas o que é o trabalho? Podemos entendê-lo como uma força ontopositiva de geração da realidade, uma "substância criadora" que todos compartilhamos, uma espécie de "vontade" spinozista, quase nietzschiana, que exclui o caráter contraditório, incompleto da realidade humana, resolvendo-o numa equivalência geral do ser, cuja tendência é a auto-afirmação de sua interioridade.
Mas o trabalho não é isso. O trabalho, enquanto trabalho útil, é sempre direcionado a suprir as necessidades humanas, ou seja, àquilo que >falta< ao ser humano. Só que o trabalho, que supre necessidades específicas, tem como resultado, por consequência, a reatualização das necessidades humanas e, portanto, a reatualização dele próprio, isto é, do próprio trabalho. O trabalho como atividade prática humana é, portanto, a atividade pela qual o ser humano pode, por meio da reatualização de sua falta constitutiva em ser, produzir e reproduzir sua vida material. Veja bem, não existem necessidades humanas cristalizadas anteriores ao processo do trabalho que as serve: o trabalho é a atividade por meio da qual o ser humano produz a si mesmo e às suas condições materiais. O sujeito humano, nesse sentido, se define por uma negatividade ontológica que o insere, assim, numa universalidade por meio das relações que estabelece com seus particulares -- suas condições materiais específicas -- que resultam numa singularidade irredutível e, na sua irredutibilidade, produtiva.
Dizer que o trabalho é a essência humana é, portanto, dizer que não existe uma abstração inerente ao indivíduo, que o sujeito humano produz a si mesmo constantemente para dar conta de sua incompletude, de sua divisão, de sua falta em ser, esta sim universal. O movimento de Marx quando diz que aquilo que define o ser humano é o trabalho é o movimento de quebrar com a postura metafísica que concebe a "essência humana" como uma natureza de base que se repete em cada um: o trabalho é um processo e não uma substância, é uma relação dialética que se estabelece entre o sujeito e o objeto e que, portanto, os define enquanto tais, ou seja, nem o objeto nem o sujeito estão dados anteriormente ao trabalho. A essencia humana, que Marx joga pro "conjunto das relações sociais" é, portanto, determinada historicamente e não uma permanência transcendental