sempre julguei melhor reivindicar de imediato os elogios calcados em fatos, despindo-os satiricamente de seu caráter de gestos para desfigurá-los em constatações. assim, enquanto conquisto que o reconhecimento do fato seja mais inelutável, o riso alivia a superioridade com que o meu apologista fascinado me aparta dele e que me deixa tão desconfortável, oferecendo-lhe pela autodegradação sarcástica a minha vaidade louca, o defeito ambíguo dos deuses. é claro que, como só descobri depois, esse desconforto indicava uma humanidade bem menos piromaníaca: o medo da gratidão insincera, pelo qual ponho toda gratidão pra correr.
a indústria cultural mostra a profundidade de sua penetração na alma dos americanos quando eles fazem comentários sobre as situações nas quais se encontram ao modo de um personagem para uma audiência imaginária ("oh boy, here we go again!"). é como se a onipresença do alívio cômico, com o qual o audiovisual insistentemente ri da sua falta de graça, sustentasse aluncinatoriamente a vontade de que também na vida fosse possível quebrar a quarta parede e reconhecesse socialmente a satisfação breve de poder esperar que em seguida venha a tuba e a catchphrase. enquanto a frustração dessa esperança ainda pede outro episódio, os mass shootings estarão sob controle.
"pelo menos, as frustrações de estar apaixonado tornam proust mais emocionante." ao perceber esse pensamento, comemoro ter conquistado sobre a paixão impositiva uma pequena vitória, como se já subscrevesse seu sentido à história da minha vida e, com isso, reconquistasse sobre ela o distanciamento dos que podem admirar o sublime, como se a própria comemoração ridícula já não provasse a minha derrota. reconheço, no entanto, que sem isso a sequência sobre odette seria um tanto cansativa e bem menos sublinhável, com o que me vingo simultaneamente dele e de proust.
quando as carências do amar passam a ser respondidas com explicações analíticas psico-sociológicas das irresponsabilidades seguidas do reconhecimento friamente protocolar do erro e da verdade que caracterizaram as confissões dos condenados por traição ao povo nos processos de moscou, não há mais possibilidade de amor pelo qual se esteja carente.