Geralmente quando a palavra "pós-moderno/ismo/idade" é usada em contextos de militância de esquerda, ela vem com alguma coisa ao redor dessas quatro acepções:

a) Um suposto período histórico (a "pós-modernidade") que começa com o fim da modernidade, já que rompe com características essenciais dela. Na verdade, essa acepção vem aparecendo bem mais na boca de quem quer se definir externamente ao "pós-modernismo" do que na boca de quem é rotulado de pós-moderno.

b) Uma suposta tradição filosófica geralmente associada com o estruturalismo, a semiótica, o desconstrucionismo, a arqueologia foucaultiana, a psicanálise lacaniana, os estudos culturais e os estudos de gênero. Esses campos de estudo, apesar de divergirem largamente em uma série de questões centrais, possuiriam um listão de características em comum.

c) Um ad hominem geral direcionado a alguém com quem você não concorda, que você acha bobo, estúpido. Possivelmente, direcionado alguém ligado a movimentos de minorias; nesse caso, costuma aparecer com destaque em discursos agressivamente transfóbicos (como no discurso terf) ou simplesmente contra qualquer um que tome bandeiras contra as opressões e que não use exclusivamente categorias de Marx (principalmente as do jovem Marx) e dos marxistas canônicos. Me parece possível traçar uma genealogia da definção B, que até há pouco tempo era a mais comum e se restringia a círculos acadêmicos, até esta definição C, que é a que, nesse momento, ocorre com a maior frequência. Mas eu vou me limitar a dizer que essa é um desenvolvimento de algo que já estava desde sempre contido naquela: a falta de definição precisa.

d) Há ainda a definição que alguns como Frederic Jameson utilizam, denotando o capitalismo tardio, na fase neoliberal, e as formas ideológicas atreladas a ele que, esquematicamente, são montagens de um individualismo sem humanismo baseados na fetichização da alteridade e das relações sociais. Essa definição trata de um objeto importante de ser estudado, mas, na minha opinião, é melhor ser mais direto e falar em "neoliberalismo" e "ideologia neoliberal" do que dividir um termo com conservadores, marxistas humanistas e terfs.

Vamos destrinchar a problemática da segunda definição que dei lendo uma parte da introdução de José Paulo Netto à "Miséria da Razão", já que ele a retoma.

"A) Aceitação da imediaticidade com que se a apresentam os fenômenos socioculturais como expressão da sua inteira existência e do seu modo de ser; assim, de uma parte, tende-se a suprimir a distinção clássica entre aparência e essência e, sobretudo, a dissolver a especificidade das modalidades de conhecimento – donde, por conseqüência, a supressão da diferença entre ciência e arte e a equalização do conhecimento científico ao não científico."

Com "aceitação da imediaticidade" podemos entender duas coisas: I. Que o pós-modernismo ignora a dimensão histórica dos fenômenos socioculturais. Essa é uma acusação que, de certa forma, encaixa nos estudos sincrônicos do estruturalismo, apesar de acabar como uma crítica sem sentido, já que o objetivo das abordagens estruturalistas não é traçar uma linha histórica, mas sistematizar dado traço da cultura como ele se apresenta num momento histórico específico (por ex: uma gramática do português carioca do fim do século XIX). Contudo, se ela é injusta para o estruturalismo, para os outros campos que citei (o desconstrucionismo, a arqueologia foucaultiana, a psicanálise lacaniana, os estudos culturais e os estudos de gênero) ela é absolutamente infundada. Só é preciso uma leitura muito superficial desses campos pra que se saiba disso. II. Que o pós-modernismo aceita a forma ideológica como os fenômenos culturais aparecem sem analisá-los profundamente; ou seja, que falta aos pós-modernos um rigor metodológico. Se for esse o caso, então é sempre necessário apontar especificamente onde houve esta falta de rigor. Mas geralmente isso não é feito, sendo lançada essa acusação pra passar a ideia de que aquele que a proferiu é responsável por um purismo metodológico notável -- o que geralmente não é verdade. Qualquer um que se dedique seriamente a esses campos de estudos te dirá o rigor em que esses campos são fundados.

Quanto ao comentário sobre "a distinção clássica entre aparência e essência", me parece que ela é fundada em certa leitura de Marx com a qual José Paulo Netto e Carlos Nelson Coutinho se associam. O problema dessa leitura é que ela ignora que Marx usava essa distinção com um objetivo e num contexto completamente diferente de, digamos, Platão. E é exatamente porque fazia isso que sua obra é tão iconoclasta. Mas isso é um debate de cinquenta anos que não vai ser resolvido aqui.

Por fim, a questão da "supressão da diferença entre ciência e arte e a equalização do conhecimento científico ao não científico". Essa é uma forma bastante desonesta de reduzir argumentos que lotam estantes. O que aí está em jogo são as críticas que esses estudos (excluindo o estruturalismo, que, por vezes, ainda se agarra desesperadamente num estatuto de "ciência") fazem à concepção ocidental moderna de conhecimento, fundada na metafísica. No entanto, isso jamais significa "igualar" ciência e arte ou qualquer coisa que se pareça com isso.

B) A recusa da categoria de totalidade – uma dupla recusa: no plano filosófico, a recusa se deve à negação de sua efetividade; no plano teórico, recusa de seu valor heurístico, ora porque anacronizada em face das transformações societárias contemporâneas, ora porque se lhe atribuem (ilegitimamente) conexões diretamente políticas – ou pelas duas ordens de fatores."

Pro estruturalismo, eu nem preciso dizer o quanto isso é totalmente inválido. A categoria de totalidade é central pra esses estudos, é o princípio fundamental a partir do qual é possível enunciar. Pro desconstrucionismo, o mesmo. A idéia da coisa é achar a dicotomia central a partir da qual um texto funciona e subvertê-la, mostrar como ela gera uma série de problemas. Nesse sentido, não há uma negação da totalidade do texto, há um posicionamento ético a partir da forma específica que ela toma. Na arqueologia foucaultiana, que é uma investigação dos discursos enquanto monumentos, se tenta alcançar como que a totalidade de uma formação discursiva específica articula as diversas realizações discursivas. O conceito de uma totalidade social, portanto, não se aplica porque não se busca nada nesse nível. Na psicanálise lacaniana, o conceito de totalidade é, também, central. O grande Outro é o ponto de referência a partir do qual o mundo ganha sentido e a ordem simbólica se organiza. Althusser e Zizek pegam essa ideia pra aplicar ao conceito de ideologia, falando do seu papel na construção de um sentido social duradouro cuja existência, ainda que frágil, é efetiva em capturar os indivíduos num mesmo horizonte de possibilidades.

Há também uma confusão, que deve ser mencionada, quando se fala em afirmações "totalizantes", o que não é a mesma coisa que afirmações sobre a totalidade. Althusser -- opondo o conceito hegeliano e idealista de totalidade ao conceito marxista -- trata esse problema de forma tão magistral no seu artigo "Contradiction and Overdetermination" que eu me limito a indicá-lo.

jan 13 2017 ∞
apr 17 2017 +