o problema da dialética idealista que ainda permanece na dialética negativa é a incapacidade de separar a causa eficiente e a causa final. para a dialética, a afirmação de um sujeito particular é sempre um momento para a afirmação do sujeito absoluto, isto é, ele não existe senão pelo seu telos, que aparece como estabilização de uma realidade pacificada; retirado esse telos, no entanto, o sujeito perde sua consistência ontológica e se desagrega. enquanto o motor da dialética for essa esperança na utopia, a frustração, que é inextrincável na disputa política, resultará sempre na imobilidade.

não é suficiente o argumento de que a frustração seria um sinal da inverdade do telos frustrado, que resulta no chamado a incorporá-la por um processo de reconstituição que reoriente o sujeito para um telos superior. por mais fundamental que deva ser a autocrítica para a constituição de um sujeito com capacidade de agir, se a frustração se mostra capaz de desintegrar a própria existência de sujeitos teleológicos (isto é, que são capazes de produzir expectativas), não resta instância alguma para autocriticar-se em primeiro lugar.

o problema aqui colocado, com o qual a dialética idealista não se confrontou por sua fé excessiva numa teleologia da reconciliação já posta no ser enquanto tal, é a possibilidade efetiva no momento atual de que seja erradicada a instância mesma de produção de expectativas, a possibilidade da morte da consciência enquanto tal. o caso aqui é pensar um sujeito que não se define por uma expectativa utópica e que, portanto, pode subsistir à frustração de suas expectativas momentâneas sem perder a capacidade de produzir expectativas. que tipo de sujeito seria capaz de atravessar um acontecimento contingente, de assistir o surgimento de um efeito sem causa, de permanecer mesmo com a destruição de todo o campo de possibilidades anteriormente posto? o que é isso que persistiria?

não é uma solução para essa pergunta a mera afirmação nietzscheana de uma subjetividade sem telos, isto é, de um sujeito "emancipado" da necessidade de melhorar o mundo, movido pela afirmação arbitrária da existência, por pior que ela seja. não é, porque, se o que distingue uma ação de uma paixão é que aquela visa o melhor e esta o pior, e se tal sujeito se liga diretamente à contingência, ao "que vier", ele passa à passividade. outra vez, o caso é pensar um sujeito que segue sendo capaz de projetar expectativas (de agir, portanto) mesmo que não seja isso que garanta sua existência.

mais importante: tampouco é

de fato, não há concepção possível de uma persistência indestrutível da capacidade de um sujeito de agir (portanto, concepção de um sujeito cuja essência envolve a capacidade de agir) que não seja garantida pela relação a uma necessidade. se a contingência do mundo é necessária, o caso seria pensar essa necessidade da contingência como a causa eficiente de tal sujeito, e pensar como tal necessidade envolve a necessidade de um sujeito capaz de agir.

isso recoloca a questão sobre a diferença entre ação e paixão. estabelecemos tacitamente uma distinção operativa dessas categorias baseadas na distinção sobre a moralidade dos fins: ação é o movimento orientado ao melhor; paixão é o movimento orientado ao pior. portanto, um sujeito cuja capacidade de agir é indestrutível não se define, portanto, pela sua capacidade de julgar sobre os melhores meios para atingir certos fins, mas sobre os fins enquanto tal. o sujeito que aqui se quer pensar é um sujeito que, portanto, é necessariamente capaz de juízos morais, mas que não se define pela efetividade dos juízos que emite; que pode, portanto, em situações diferentes, emitir sobre um mesmo objeto juízos diferentes e até contrários sem que sua capacidade de julgar seja, por isso, posta em cheque.

aqui é preciso distinguir tal concepção de autocrítica da concepção da dialética idealista: para esta, tal juízo já era errado então, mas era necessário que ele fosse emitido para que aparecesse como errado. se assim fosse, já então haveria um juízo correto e outro errado, ainda que isso só pudesse aparecer após o erro necessário. na nossa concepção, o erro, bem como o acerto, não pode aparecer sempre como necessário, mas devem haver erros e acertos contingentes, isto é, que não são causados por uma limitação prévia da instância julgadora, como se toda frustração resultasse de um sujeito moral marcado pela paixão. d no entanto, toda moral se orienta por um princípio de ordenação que ela quer implementar e cujo não cumprimento ela quer evitar.

ao contrário do que queria santo anselmo, não é possível imaginar a perfeição, mas se proliferam as figuras da imperfeição. a capacidade de julgar não deriva, portanto, de uma ideia eterna do bem, mas é adquirida por meio de duas experiências: 1. a experiência de uma coisa que é percebida como pior que outra anterior, em que o melhor aparece como o retorno à coisa anterior, de cuja imagem eu disponho; 2. a experiência de uma coisa previamente inimaginável (já que, se eu dispusesse de sua imagem, ela já seria retorno) que percebe-se melhor que outra anterior. o julgamento baseado exclusivamente no retorno ao conhecido aceita o mundo que existe, enquanto o outro quer outro mundo. para este, só ali onde uma imagem do mundo é destruída o melhor pode aparecer. o mundo atual é tal que todas as suas imagens são imediatamente reconhecíveis como reproduções do que já dispomos. e, num mundo tão ruim, é necessariamente bom todo movimento que contribui para sua destruição, enquanto todo movimento que contribui para a sua reprodução é necessariamente ruim.

se não houver um mundo no qual isso é pensável, será preciso produzi-lo, pois, caso contrário, jamais haverá esquerda.

apr 14 2019 ∞
apr 14 2019 +