em "a forma na nova música", adorno afirma:

"the recapitulation affects not just the so-called larger forms, but also its smaller components, the linking categories – in short, the very fibre of music. This had been constituted by a priori tradition in accordance with the postulate of possible repeatability. Genuinely liberated music, music conscious of itself and reconciled with the passage of time, yearns to shake off all repetition. But the facts of the matter justify a dialectical treatment because that yearning suffers almost as much from contradiction as does the method it resists. By whatever methods music succeeded in articulating meaning, its internal logic was tied to open or latent repetitions. It is difficult to conceive of musical form in the absence of resemblance or difference (Ungleichheit). Even the postulate of non-repetitiveness, of absolute difference, calls for an element of sameness without which the different cannot be seen to be different. To borrow the expression coined by Karl Heinz Haag in philosophy, this stifles the absolutely new, the unrepeatable, the utopia of music, the utopia of open-ended and irreversible time. This need for musical articulation – without which incessant change degenerates into monotony, the recurrence of the same – inexorably resists the dream of pure self-renewal that music may nevertheless not forsake if it does not wish to betray that which it is capable of foreseeing. All musical form, regardless of the means at its disposal, involves the use of recapitulation in this extended sense." (p. 205)

para adorno, como a música é uma arte do tempo, o problema da dialética entre universal e singular na música é um problema da articulação entre a totalidade da peça, que deve se apresentar como um desenvolvimento autônomo do tempo a partir da sua própria lei, e os objetos musicais singulares (frases, motivos, temas), cuja autonomia em relação à totalidade é assegurada pela sua recapitulação, que garante que eles não se dissolvam num prosseguimento do tempo que fosse indiferente a seus momentos e, com isso, abolisse seu próprio progresso. isso seria historicamente alcançado por beethoven, em cujas peças a dialética da consciência-de-si se atualiza na construção de uma totalidade justificada a partir do confronto constante entre as figuras musicais singulares e a consolidação da lei interna à peça; é o fato de a própria linguagem musical ter chegado a essa dialética por seus próprios meios que justificaria, após beethoven, que a crítica musical encontrasse seus modelos negativos na regressão dessa consciência-de-si às figuras da consciência que não tem em si seu objeto. nesse sentido, a desagregação do idioma tonal no início do século XX expressaria a contradição entre duas tendências: por um lado, a radicalização de impulsos já presentes no classicismo cuja meta é o tempo livre acima descrito e, por outro lado, o descolamento da linguagem musical de vanguarda que continua perseguindo essa meta com relação à consciência musical das massas e, portanto, com sua própria substancialidade. é essa desautorização social da possibilidade de que a peça se construa segundo sua lei autônoma que empurra a atividade de composição para posições regressivas de segurança.

esse problema diz respeito à dialética entre lei e força como aparece para a consciência explicante: se a lei é o em-si da força e põe a necessidade do seu conceito apagando as diferenças da sua expressão, ela não põe a necessidade mesma da sua expressão, que aparece como exterior, contingente, e reclama para si a essencialidade; só que o que se expressa é, em-si, a lei, que, portanto, tem a sua diferença em-si; já é, por isso, consciência-de-si. é por essa via que adorno entende a unificação dos parâmetros musicais sob o impulso-duração de stockhausen: uma lei que, como universal simples, é uma máquina de moer todo objeto musical que possa aparecer na peça previamente à sua aparição, inviabilizando toda possibilidade de resistência do singular.

em teoria, seria possível fazer o mesmo procedimento com qualquer novo som que aparecesse e, se concordarmos com o edifício da fenomenologia, a história da música de ali em diante poderia se abandonar a fazer o mesmo com cada novo som que aparecesse como realização descansada de um saber absoluto. adorno, então, volta sua crítica ao fato de que a música não pode apenas ser em-si uma totalidade organizada, mas que ela deve apresentar tal organização no seu decurso temporal; diante da música de stockhausen, o sujeito se coloca como se estivesse diante do movimento das categorias do entendimento ou como o movimento do capital como sujeito automático do processo: ainda que ele saiba que, em-si, ele assiste o movimento do universal incondicionado, esse movimento não aparece como atividade da consciência, mas como meramente exterior. com isso, adorno explicita que a meta que orienta seus juízos críticos é a constituição de uma música que, na sua dialética com o ouvinte, se constituísse como consciência-de-si.

no entanto, o conceito de traço unário coloca um problema para essa compreensão que é o seguinte: a aparição do objeto como uno para a percepção não é produto da atividade da consciência, pois ela está pressuposta pela dialética entre saber e verdade na qual o saber, ainda que desprovido de todo conteúdo, já pressupõe sua unaridade para-si. é essa pressuposição que leva 1. a consciência sensível a tomar o objeto como um isto imediatamente oposto à consciência; 2. a consciência percebente deduzir que o em-si da multiplicidade está no uno; 3. a consciência explicante ver o desvanecer do uno na multiplicidade e vice-versa, que a permite postular um interior simples no qual os dois momentos subsistissem, interior que aparece como lei. se retiramos a unaridade do saber, todo o edifício vem abaixo; e se que a deixamos como injustificada (como ela decerto aparece para o sujeito neurótico), não estaríamos mais autorizados a dizer que a multiplicidade tem o seu em-si na lei, pois a consciência percebente não conseguiria fazer o movimento de retorno do múltiplo ao uno que permite a sua suspensão em consciência explicante, pois o uno recairia somente sobre ela, e ela permaneceria sempre externa à multiplicidade. o problema de stockhausen, portanto, não está na passagem do entendimento à consciência-de-si, mas na passagem não autorizada da percepção para o entendimento: o impulso-duração não pode chegar a se constituir como universal incondicionado e, portanto, sua música apenas declara psicoticamente que pôs o objeto a no bolso - assim como hegel declara, diga-se claramente.

o que se coloca, portanto, é o seguinte: a música deve abandonar a meta de uma organização total do tempo que determinasse o interior de cada um de seus momentos singulares. talvez esteja aqui a sabedoria da música pop: preservar os objetos musicais dos quais se apropria como singulares e se identificar com eles.

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para adorno e socha: será que a própria suposição de que o mesmo jogo das alturas da tradição musical ocidental poderia ser feito com o rítmo não supõe a equalização dos parâmetros que adorno critica em stockhausen? já que a individualização de frases e, portanto, temas, depende intrinsecamente de uma não-variedade rítmica.

may 16 2020 ∞
may 26 2020 +