• Esse ato, com efeito, longe de se esgotar, como no caso do macaco, no controle - uma vez adquirido - da inanidade da imagem , logo repercute, na criança, uma série de gestos em que ela experimenta ludicamente a relação dos movimentos assum[96]idos pela imagem com seu meio refletido, e desse complexo virtual com a realidade que ele reduplica, isto é, com seu próprio corpo e com as pessoas, ou seja, os objetos que estejam em suas imediações.
  • Experiência sobre a qual convém dizer que nos opõe a qualquer filosofia diretamente oriunda do Cogito.
  • essa forma situa a instância do eu, desde antes de sua determinação social, numa linha de ficção, para sempre irredutível para o indivíduo isolado - ou melhor, que só se unirá assintoticamente ao devir do sujeito, qualquer que seja o sucesso das sínteses dialéticas pelas quais ele tenha que resolver, na condição de
    , sua discordância de sua própria realidade.
  • Basta compreender o estádio do espelho como uma identificação, no sentido pleno que a análise atribui a esse termo, ou seja, a transformação produzida no sujeito quando ele assume uma imagem - cuja predestinação para esse efeito de fase é suficientemente indicada pelo uso, na teoria, do antigo termo imago.
  • Nós mesmo mostramos, na dialética social que estrutura como paranóico o conhecimento humano(04), a razão que o torna mais autônomo que o do animal em relação ao campo de forças do desejo, mas que também o determina no "pouco de realidade" nele denunciada pela insatisfação surrealista. E essas reflexões incitam-nos a reconhecer, na captação espacial manifestada pelo estádio do espelho, o efeito, no homem, anterior até mesmo a essa dialética, de uma insuficiência orgânica de sua realidade [99] natural, se é que havemos de atribuir algum sentido ao termo natureza.
  • o estádio do espelho é um drama cujo impulso interno precipita-se da insuficiência para a antecipação - e que fabrica para o sujeito, apanhado no engordo da identificação espacial, as fantasias que se sucedem desde uma imagem despedaçada do corpo até uma forma de sua totalidade que chamaremos de ortopédica - e para a armadura enfim assumida de uma identidade alienante, que marcará com sua estrutura rígida todo o seu desenvolvimento mental.
  • a nos fundamentarmos apenas nesses dados subjetivos, e por menos que os emancipássemos da condição de experiência que nos faz deduzi-los de uma técnica de linguagem, nossas tentativas teóricas ficariam expostas á recriminação de se projetarem no impensável de um sujeito absoluto: eis por que procuramos, na hipótese aqui fundamentada num concurso de dados objetivos, a grade diretriz de um método de redução simbólica.
  • É que eles tocaram nessa negatividade existencial cuja realidade é tão vivamente promovida pela filosofia contemporânea do ser e do nada. Mas essa filosofia, infelizmente, só a capta dentro dos limites de uma self-suficiência da consciência, que, por estar inscrita em suas premissas, encadeia nos desconhecimentos constitutivos do eu a ilusão de autonomia em que se fia. Brincadeira espirituosas que, por se nutrir singularmente de empréstimos retirados da experiência analítica, culmina na pretensão de garantir uma psicanálise existencial.
  • Ao cabo do projeto histórico de uma sociedade de não mais reconhecer em si outra função que não a utilitária, e na angústia do indivíduo diante da forma concentracionista do vínculo social cujo surgimento prece recompensar esse esforço, o existencialismo julga-se pelas justificativas que dá para os impasses subjetivos que, a rigor, resultam dele: uma liberdade que nunca se afirma tão autêntica quanto dentro dos muros de uma prisão, uma exigência de engajamento em que se exprime a impotência da consciência pura de superar qualquer situação, uma idealização voyeurista-sádica da relação sexual, uma personalidade que só se realiza no suicídio, e uma consciência do outro que só se satisfaz pelo assassinato hegeliano.
sep 29 2018 ∞
sep 29 2018 +