• Ainda há pessoas que dizem que as questões de sentido não têm sentido para elas, mas, quando dizem "não tem sentido", de duas, uma: ou sabem o que querem dizer, e eo ipso a questão do sentido adquire sentido, ou então não sabem, e sua fórmula se torna sem sentido.
  • A significação lexical seria sempre de sua competência, mesmo que nos limitássemos ao estudo dos diferentes contextos e restringíssemos esse estudo à análise distribucional: um enunciado que tenha a forma de uma equação reversível — A é B, B é A — é também um contexto; e uma das teses mais esclarecedoras de Peirce alvitra que o sentido de um signo é outro signo pelo qual ele pode ser traduzido.
  • Suponhamos que eu queira explicar a um índio unilingüe o que é Chesterfield e lhe aponte com o dedo um maço de cigarros. Que é que o índio pode concluir? Ele não sabe se eu estou pensando nesse maço em particular ou num maço em geral, num cigarro ou em muitos, numa certa marca ou em cigarros em geral, ou, mais geralmente ainda, em algo que se fuma, ou, universalmente nalguma coisa agradável. Além do mais, ele ignora se lhe estou simplesmente mostrando, ou se lhe estou dando, ou se lhe estou vendendo, ou se lhe estou proibindo os cigarros. Ele só fará idéia do que é e do que não é Chesterfield quando tiver dominado uma série de outros signos lingüísticos que funcionarão como "interpretantes" do signo em questão.
  • Distinguimos três maneiras de interpretar um signo verbal: ele pode ser traduzido em outros signos da mesma língua, em outra língua, ou em outro sistema de símbolos não-verbais.
  • A ausência de certos processos gramaticais na linguagem para a qual se traduz nunca impossibilita uma tradução literal da totalidade da informação conceitual contida no original.
  • Como Boas observou finamente, o sistema gramatical de uma língua (em oposição a seu estoque lexical) determina os aspectos de cada experiência que devem obrigatoriamente ser expressos na língua em questão: "É preciso escolhermos entre esses aspectos, e um ou outro tem de ser escolhido". Para traduzir corretamente a sentença inglesa I hired a worker ("Contratei (-ava) um operário/uma operária"), um russo tem necessidade de informações suplementares — a ação foi completada ou não? o operário era um homem ou uma mulher? — porque ele deve escolher entre um verbo de aspecto completivo ou não completivo — nanial ou nanimal — e entre um substantivo masculino ou feminino — rabotnika ou rabotnicu. Se eu perguntar ao enunciador da sentença em inglês se o operário é homem ou mulher, ele poderá julgar minha pergunta não-pertinente ou indiscreta, ao passo que, na versão russa dessa mesma frase, a resposta a tal pergunta é obrigatória. Por outro lado, sejam quais forem as formas gramaticais russas escolhidas para traduzir a mensagem inglesa em questão, a tradução não dará resposta à pergunta de se I hired ou I have hired a worker, ou se o operário (ou operária) era um operário determinado ou indeterminado ("o" ou "um", the ou a). Porque a informação requerida pelos sistemas gramaticais do russo e do inglês é dessemelhante, achamo-nos confrontados com conjuntos completamente diferentes de escolhas binárias; é por isso que uma série de traduções sucessivas de uma mesma frase isolada, do inglês para o russo e vice-versa, poderia acabar privando completamente tal mensagem de seu conteúdo inicial. O lingüista genebrino S. Karcevski costumava comparar uma perda gradual desse gênero a uma série circular de operações de câmbio desfavoráveis. Mas, evidentemente, quanto mais rico for o contexto de uma mensagem, mais limitada será a perda de in formação.
  • As línguas diferem essencialmente naquilo que devem expressar, e não naquilo que podem expressar. Numa língua dada, cada verbo implica necessariamente um conjunto de escolhas binárias específicas, como por exemplo: o evento enunciado é concebido com ou sem referência à sua conclusão? o evento enunciado é apresentado ou não como anterior ao processo da enunciação? Naturalmente, a atenção dos enunciadores e ouvintes estará constantemente concentrada nas rubricas que sejam obrigatórias em seu código verbal.
  • Em sua função cognitiva, a linguagem depende muito pouco do sistema gramatical, porque a definição de nossa experiência está numa relação complementar com as operações metalingüísticas — o nível cognitivo da linguagem não só admite mas exige a interpretação por meio de outros códigos, a recodificação, isto é, a tradução. A hipótese de dados cognitivos inefáveis ou intraduzíveis seria uma contradição nos termos. Mas nos gracejos, nos sonhos, na magia, enfim, naquilo que se pode chamar de mitologia verbal de todos os dias, e sobretudo na poesia, as categorias gramaticais têm um teor semântico elevado. Nessas condições, a questão da tradução se complica e se presta muito mais a discussões.
  • Mesmo uma categoria como a de gênero gramatical, que tão amiúde foi tida como puramente formal, desempenha papel importante nas atitudes mitológicas de uma comunidade lingüística. Em russo, o feminino não pode designar uma pessoa do sexo masculino, e o masculino não pode caracterizar uma pessoa como pertencente especificamente ao sexo feminino. As maneiras de personificar ou de interpretar metaforicamente os substantivos inanimados são influenciadas pelo gênero destes.
  • "Os estímulos recebidos da Natureza", como o indica sabiamente Colin Cherry, "não são imagens da realidade, mas os documentos a partir dos quais construímos nossos modelos pessoais."
nov 4 2015 ∞
nov 4 2015 +