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  • "Desde 1815 que [o Sr. de Rênal] se envergonha de ser industrial: 1815 o fez prefeito de Verrières" [p.10]
  • "Eis a grande frase que tudo decide em Verrières: PROPORCIONAR LUCROS: representa por si só o pensamento de mais de três quartas partes dos habitantes. Proporcionar lucro é a razão que decide de tudo nessa pequena cidade que vos parecia tão bonita. O forasteiro que chega, seduzido pela beleza dos frescos e profundos vales que a circundam, imagina a princípio que os seus habitantes são sensíveis ao belo; falam constantemente da beleza de sua terra: não se pode dizer que não liguem grande importância a isso; mas é porque essa beleza atrai alguns forasteiros, cujo dinheiro enriquece os estalajadeiros, o que, pelo mecanismo do imposto de entrada, proporciona lucreo à cidade." [p.15]
  • "Uma gargalhada grosseira, um dar de ombros, acompanhados por uma máxima trivial sobre a loucura das mulheres, eis como eram constantemente acolhidas as confidências de desgostos como esses, que a necessidade de desafogo a levara a fazer ao marido nos primeiros anos de casamento." [p.44]
  • "Em Paris, a posição de Julien em relação à Sra. de Rênal logo se teria simplificado; mas em paris, o amor é filho dos romances. O jovem preceptor e sua tímida patroa teriam encontrado em três ou quatro romances e até nas coplas do Gymnase o esclarecimento da sua posição. Os romances lhe teriam traçado o papel a desempenhar e mostrado o modelo a imitar; e, cedo ou tarde, Julien seria forçado a imitar esse modelo, por pura vaidade, mmesmo sem prazer e talvez a contragosto. Numa pequena cidade do Aveyron ou dos Pirineus, o menor incidente se tornaria decisivo, mercê do calor do clima. Sob os nossos céus mais sombrios, um rapaz pobre, e que só é ambicioso porque a delicadeza de seu coração torna necessários alguns dos prazeres que o dinheiro proporciona, vê todos os dias uma mulher de trinta anos sinceramente ajuizada, ocupada com os filhos e que de forma alguma toma exemplo de conduta nos romances. Tudo marcha lentamente, tudo se faz aos poucos, nas províncias; há mais naturalidade." [p.44]
  • "A posição moral em que se encontrara toda a vida renovava-se em casa do senhor prefeito de Verrières. Ali, como na serraria do pai, ele desprezava profundamente as pessoas com que vivia e era odiado por elas. Diariamente, pelas conversas do subprefeito, do Sr. Valenod e de outros amigos a propósito de fatos a que haviam assistido, via ele o quanto as idéias destes se distanciavam da realidade. A ação que lhe parecia admirável era precisamente a que atraía a censura das pessoas que o cercavam. A sua réplica interior era sempre: "Que monstro!", ou: "Que tolo!" O engraçado é que, com todo esse orgulho, muitas vezes não compreendia absolutamente nada do que estavam dizendo." [p.47]
  • "A Sra. de Rênal, rica herdeira de uma tia devota, casada aos dezesseis anos com um bom gentil-homem, não sentira, nem vira, em toda a sua vida, nada que se assemelhasse de qualquer forma ao amor. Só o seu confessor, o bom Cura Chélan, lhe falava no amor, a propósito das perseguições do Sr. Valenod, e fizera-lhe dele uma imagem tão desagradável, que essa palavra só representava para ela a mais abjeta libertinagem. Ela encarava como uma exceção, ou mesmo como absolutamente fora da natureza, o amor tal como o encontrara naquele pequeno número de romances que o acaso lhe pusera sob os olhos. Graças a essa ignorância, a Sra. de Rênal, completamente feliz, incessantemente ocupada com Julien, estava longe de fazer qualquer censura a si mesma." [p.49]
  • "Deixemos, porém, passar esse homenzinho com os seus peqenos temores; por que levou ele para casa um homem de coração quando precisava de uma alma de criado? Não sabe ele escolher o seu pessoal? A marcha normal do século XIX é que, quando um ser poderoso e nobre enconra um homem de coração, mata-o, exila-o, encarcera-o ou humilha-o de tal forma que o outro comete a tolice de morrer de pesar. Por acaso, aqui não é o homem de coração que padece. A grande desgraça das pequenas cidades da França e dos governos eleitos, como o de Nova York, é não poderem esquecer que existem no mundo seres como o Sr. de Rênal. Em meio de uma cidade de 20 000 habitantes, esses homens fazem a opinião pública, e a opinião é tterrível nm país que tem constituição. Um homem dotado de uma alma nobre, generoso e que foi vosso amigo, mas que mora a 100 léguas, julga-vos pela opinião pública da vossa cidade, a qual é feita pelos imbecis que o acaso fez nascer nobres, ricos e moderados. Infeliz de quem se destaca!" [p.149]
  • "'Assim', pensava Julien, ouvindo [os cavalheiros] rirem na escada, 'foi-me dado ver o outro extremo da minha situação! Não tenho 20 luíses de renda por ano e encontrei-me lado a lado com um homem que tem 20 luíses de renda por hora, e ainda assim riam dele... Um espetáculo como esse cura a gente da inveja.'" [p.250]
  • "'Une idée un peu vive y a l'air d'une grossièreté, tant on y est accoutumé aux mot sans relief. Malheur à qui invente en parlant!' ——FAUBLAS"
  • "Sem dúvida, na província se pode censurar um tom vulgar ou pouco polido; mas sempre nos respondem com algum calor. No Palácio de la Mole, o amor-próprio de Julien nunca era ferido; mas, frequentemente, no fim do dia, ele tinha vontade de chorar. Na província, um garçom de café se interessa pela gente, se, ao entrarmos no estabelecimento, nos acontece um acidente; se esse acidente porém oferecer algo de desagradável para o amor-próprio, ele, lamentando o caso, há de repetir dez vezes a palavra que nos tortura. Em Paris há o cuidado de se esconderem para rir, mas a gente é sempre um estranho." [p.253]
  • "— Você é predestinado, meu caro Sorel — diziam-lhe; — você tem, muito naturalmente, esse ar frio e de quem está a 1 000 léguas da sensação presente que nós tanto procuramos adquirir. / — Você não compreendeu esse século — dizia-lhe o Príncipe Korasoff: — faça sempre o contrário do que esperam de você. Aí está, realmente, a única religião da época. Não seja doido nem afetado, pois, nesse caso, esperarão de você loucuras e afetação, e o preceito não será mais cumprido." [p.264-265]
  • "Julien ficou espantado com o que tinha feito. 'Isto não é nada", disse consigo mesmo; "é preciso fazer ainda muitas outras injustiças, se eu quiser vencer, e ainda por cima saber escondê-las sob bonitas frases sentimentais: pobre do Sr. Gros! Ele é quem merecia a cruz; sou eu quem a tem, e devo agir de acordo com o governo que ma deu." [p.267]
  • [Após uma longa sequência em que Mathilde desenvolve grande interesse em Julien pela rebeldia intelectual que aparentemente se escondia por trás da frieza de sua hipocrisia, pergunta a ele:] "— Que será que conseguiu fazer do senhor, ordinariamente tão frio, uma criatura inspirada, uma espécie de profeta de Miguel Ângelo? / Essa pergunta viva e indiscreta, ferindo Julien profundamente, restituiu-lhe toda a sua loucura. / — Danton fez bem em roubar? — perguntou-lhe ele bruscamente, e com um ar cada vez mais feroz. — Os revolucionários do Piemonte, da Espanha, deviam comprometer o povo com crimes? Dar a pessoas mesmo sem mérito todos os postos do Exército, todas as cruzes? As pessoas que tivessem essas cruzes não temeriam a volta do rei? Dever-se-ia saquear o tesouro de Turim? Numa palavra, senhorita — disse, aproximando-se dela com um ar terrível —, o homem que quiser expulsar da terra a ignorância e o crime deve passar como a tempéstade e espalhar o mal ao acaso? / Mathilde teve medo, não pôde sustentar-lhe o olhar, e recuou dois passos. Fitou-o um instante; depois, com vergonha do seu temor, saiu da biblioteca com um passo rápido." [p.283-284]
  • [Pensa Mathilde em seus devaneios sobre seu amor por Julien:] " A Croisenois nada lhe falta, e ele não passará nunca de um duque meio ultra, meio liberal, uma criatura indecisa, sempre afastada dos extremos, e por isso mesmo sempre em segundo lugar. Haverá alguma grande ação que não seja um extremo no momento em que é levada a efeito? Só depois de realizada é que ela parece possível às criaturas comuns." [p.295]
  • [Pensa Mathilde sobre os jovens cavalheiros de sua situação social:] "Eles são valente, e nada mais. E, assim mesmo, valente como?", pensava ela. "Em duelo; mas o duelo não passa de uma cerimônia. Tudo já é sabido antecipadamente, mesmo o que devem dizer ao tombar. Estendidos sobre o gramado, com a mão no coração, devem ter um perdão generoso para o adversário e uma frase para uma bela, muitas vezes imaginária, ou então que compareça a um baile no dia da sua morte, temerosa de despertar suspeitas. Afrontam o perigo à frente de um esquadrão rebrilhante de aços, mas não o perigo solitário, singular, imprevisto, verdadeiramente feio!" [p.312]
  • "'Ah! que l'intervalle est cruel entre un grand projet conçu et son exécution ! Que de vaines terreurs ! que d'irresolution ! Il s'agit de la vie. -- Il s'agit de bien plus : de l'honneur !' ——SCHILLER" [p.317]
  • "O amor cerebral tem sem dúvida mais espírito do que o amor verdadeiro, mas tem somente instantes de entusiasmo; ele se conhece demais, julga-se continuamente; longe de afastar o pensamento, constrói-se à força de pensamentos." [p.341]
  • "Senhores, um romance é um espelho que é levado por uma grande estrada. Umas vezes ele reflete aos vossos olhos o azul dos céus, e outras a lama da estrada. E ao homem que carrega o espelho nas costas vós acusareis de imoral! O espelho reflete a lama e vós acusais o espelho! Acusai antes a estrada em que está o lodaçal, e mais ainda o inspetor das estradas que deixa a água estagnar-se e formar-se o charco." [p.341-342]
  • "Nos caracteres intrépidos e orgulhosos não há senão um passo da cólera contra si mesmo à indignação contra os outros; em tais casos, os transportes de furor são um verdadeiro prazer." [p.349]
  • "A política [...] é uma pedra amarrada ao pescoço da literatura, e que em menos de seis meses a submerge. A política no meio dos interesses da imaginação é como que um tiro no meio de um concerto. É um ruído que é cruel sem ser enérgico. Não harmoniza com o som de nenhum instrumento. Essa política irá ofender mortalmente metade dos leitores, e aborrecer a outra, que a viu de uma forma muito mais interessante e enérgica nos jornais da manhã..." [p.361]
  • "— Você está com uma cara de trapista — disse [o Príncipe Korasoff] a Julien; — você exagera o princípio de gravidade que eu lhe recomendei em Londres. Um ar triste não pode ser de bom-tom; um ar aborrecido é que se deve ter. Quando estamos tristes, é porque alguma coisa nos falta ou alguma coisa nos falhou. É uma demonstração de inferioridade. Quando estamos aborrecidos, pelo contrário, a inferioridade está em quem tentou inutilmente agradar-nos. Compreenda, meu caro, a gravidade do seu equívoco." [p.376]
  • "'Mon Dieu, donnez-moi la médiocrité !' ——MIRABEAU
  • "Cada uma das esperanças da ambição teve de ser arrancada sucessivamente de seu coração por esta terrível frase: 'Eu vou morrer'. A morte, por si mesma, não lhe era horrível. Toda a sua vida não fora mais que uma longa preparação para a desgraça, e ele não esquecera a que passa por ser a maior de todas."
  • [Pensa Julien na iminência da execução:] "'Fui ofendiodo de uma forma atroz; matei, mereço a morte, mas é só. Morro depois de ter saldado a minha conta com a humanidade. Não deixo nenhuma obrigação por cumprir, não devo nada a ninguém; minha morte só tem de vergonhoso o instrumento: só isto, é verdade, basta de sobejo para cobrir-me de vergonha aos olhos dos burgueses de Verrières; mas, sob o ponto de vista intelectual, nada é mais insignificante! Resta-me um meio para ser considerado por eles: será lançar ao povo moedas de ouro ao encaminhar-me para o suplício. Minha memória, ligada à ideia do ouro, será resplandecente para eles.' / Depois desse raciocínio, que após um minuto lhe pareceu evidente, pensou: 'Não tenho nada mais a fazer na terra", e adormeceu profundamente." [p.439-440]
  • "Que importam as hipocrisias dos padres? Podem lá elas tirar alguma coisa à verdade e à sublimidade da ideia de Deus?" [p.441]
  • "'Poderei ainda viver umas cinco ou seis semana, mais ou menos... Matar-me! Isso não', acrescentou, a rir, e pôs-se a fazer a lista dos livros que queria mandar vir de Paris." [p.442]
  • "'C'est parce qu'alors j'étais fou qu'aujourd'hui je sui sage. O philosophe que ne vois rien que d'instantané, que tes vues sont courtes! Ton oeil n'est pas fait pour suivre le travail souterrain des passions.' —— W.GOETHE" [p.457]
  • "Não há direito natural: esse termo é apenas uma antiga tolice bem digna do promotor público que me deu caça outro dia, e cujo avô enriqueceu com uma confiscação de Luís XIV. Não há direito senão quando há uma lei que proíba fazer tal coisa, sob pena de punição. Antes da lei, só há de natural a força do leão, ou a necessidade da criatura que tem fome, que tem frio, a necessidade, numa palavra... Não, as pessoas que reverenciamos não passam de velhacos que tiveram a felicidade de não ser apanhados em flagrante delito. O acusador que a sociedade lança em meu encalço enriqueceu com uma infâmia... Cometi uma tentativa de assassinato e fui justamente condenado, mas, talvez exceto apenas tal ação, o Valenod que me condenou é cem vezes mais prejudicial à sociedade." [p.480]
  • "'Estou-me tornando louco e injusto', pensou Julien, batendo na testa. 'Estou isolado aqui neste cárcere; mas não vivi isolado na terra; tinha a poderosa ideia do dever. O dever que eu me tinha prescrito, com ou sem razão... foi como o tronco de uma árvore sólida ao qual eu me apoiava durante as tempestades; eu vacilava, era agitado. Afinal de contas, eu era apenas um homem... mas não era arrebatado." [p.481]
  • "...Um caçador dá um tiro na floresta, a presa cai e ele se lança para apanhá-la. Tropeça num formigueiro de 2 pés de altura, destrói a habitação das formigas, espalha as formigas e os seus ovos... Mesmo as mais filósofas dentre as formigas não poderão nunca compreender aquele corpo negro, imenso, terrível; a bota do caçador, que de súbito penetrou em sua morada com uma incrível rapidez, e precedida de um ruído medonho, acompanhado de chispas de fogo avermelhado. / ...Assim também a morte, a vida, a eternidade, coisas muito simples para quem tivesse órgãos bastante largos para concebê-las... / Uma efêmera nasce às 9 da manhã de um lindo dia de verão, para morrer às 5 horas da tarde; como poderia ela compreender a palavra 'noite'? / Dêem-lhe cinco horas mais de vida, e ela verá e compreenderá o que é a noite."
  • "Julien pôs-se a rir como Mefistófeles. / 'Que loucura discutir esses grandes problemas! / '1.º) Sou hipócrita como se houvesse aqui alguém para me escutar; / '2.º) Esqueço-me de viver e de amar quando me restam tão poucos dias para viver..."
feb 10 2017 ∞
feb 21 2017 +