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O dia estava começando, perto do pôr do sol. Pegou suas coisas, correu afobada e entrou no ônibus. Dessa vez deu certo de conseguir ir sentada.
O trajeto se seguia e ela ruminava, prejudicando e abrindo espaço para os indivíduos baterem martelos em sua cabeça. A mente nunca para, diferente de sua vida, que se criou raízes no passado e são regadas com hipóteses do futuro. As alienações esculpiam seu modo de tratar a si mesma e a vida é de desperdício se não for como a deles. Ainda assim, culminava de vontade em correr atrás do perdido, mas como pensar somente em si se carrega um ventre? Fragmentos dos seus gostos infantis não a deixavam ser livre como uma menina, não mais. Ah, mas é preciso agradecer o que tem e pelo menos havia um alívio nesse cenário: ela não precisava pegar mais de um ônibus para chegar em casa.
Lá fora continuava igual e seu olhar tão escasso de viço se perdia nas hipóteses de um cenário diferente. Ela reparava demais nos carros em meio ao trânsito e se contentava com sua própria inveja do outro. Já observou famílias brigando, crianças de uniforme voltando para casa, supostos casais, jovens tocando som alto e muita gente desleixada.
Atentou-se à sua exaustão, não há costume que façam a fome e a dor nas costas ficarem menos piores. Ela não sabe que a junção de todas suas contestações são adjacentes e a realização de sua existência não puderam se alongar, porque de relance sua visão focou em vidros fechados sem fumê. No banco de trás, um corpo pálido desacordado enrolado até o pescoço em um saco plástico. Desviou o olhar.
Espere.
Olhou de volta, tudo em segundos. O semáforo iria parar, mas o carro já havia ultrapassado de seu panorama ocular. Assustada, pensou o que poderia fazer. Precisava enxergar a placa, o sujeito e avisar alguém. Faltava muito pouco para o transporte parar no próximo ponto.
E então parou, assim como o semáforo fechou. Antes de sair, olhou ao redor, ninguém pareceu ter percebido. Ela correu para alcançá-lo e fez um escândalo. Agora, a responsabilidade de decorar todos os detalhes não seria somente sua. Chamou atenção como um dramaturgo, mas todos pareciam confusos. Como ninguém poderia ter visto o que estava acontecendo a não ser ela? Sentiu um aperto no peito e chorou, o peso de carregar um caos não iniciado por si próprio é incontrolável.
Ela não sabe que todos estes sufocos são adjacentes e a realização de sua existência não puderam se alongar, porque de relance sua visão focou em vidros fechados sem fumê. No banco de trás, um corpo pálido desacordado enrolado até o pescoço em um saco plástico. Assustada, pensou o que poderia fazer. Bem, era alguém em perigo.
Aparentemente… não é?
Cinco pontos depois, ela desceu do ônibus. Andou mais algumas quadras até chegar em casa. Ligou a TV e se jogou no sofá.
Estava exausta.