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⇢ A mulher aparece como o negativo, de modo que toda determinação lhe é imputada como limitação, sem reciprocidade. (p. 12)

⇢ Ela não é senão o que o homem decide que seja; daí dizer-se o "sexo" para dizer que ela se apresenta diante do macho como um ser sexuado: para ele, a fêmea é sexo, logo ela o é absolutamente. A mulher determina-se e diferencia-se em relação ao homem, e não este em relação a ela; a fêmea é o inessencial perante o essencial. O homem é o Sujeito, o Absoluto; ela é o Outro. (p. 12-13)

⇢ [...] a ação das mulheres nunca passou de uma agitação simbólica; só ganharam o que os homens concordaram em lhes conceder; elas nada tomaram; elas receberam. (p. 15-16)

⇢ [...] mas mesmo em sonho a mulher não pode exterminar os homens. O laço que a une a seus opressores não é comparável a nenhum outro. A divisão dos sexos, é, com efeito, um dado biológico, e não um momento da história humana. (p. 16)

⇢ [...] sendo o corpo o instrumento de nosso domínio do mundo, este se apresenta de modo inteiramente diferente segundo seja apreendido de uma maneira ou de outra. Eis por que os estudamos tão demoradamente; são chaves que permitem compreender a mulher. Mas o que recusamos é a ideia de que constituem um destino imutável para ela. Não bastam para definir uma hierarquia dos sexos; não explicam por que a mulher é o Outro; não a condenam a conservar para sempre essa condição subordinada. (p. 60)

⇢ A mulher não é uma realidade imóvel, e sim um vir a ser; é no seu seu vir a ser que se deveria confrontá-la com o homem, isto é, que se deveria definir suas possibilidades. O que falseia tantas discussões é querer reduzi-la ao que ela foi, ao que é hoje, quando se aventa a questão de suas capacidades; o fato é que as capacidades só se manifestam com evidência quando realizadas; mas o fato é que, quando se considera um ser que é transcendência e superação, não se pode nunca encerrar as contas. (p. 62)

⇢ Um historiador da mulher, Donaldson, observava que as definições "O homem é um ser humano macho, a mulher é um ser humano fêmeo" foram assimetricamente mutiladas; é particularmente entre os psicanalistas que o homem é definido como ser humano e a mulher como fêmea: todas as vezes que ela se conduz como ser humano, afirma-se que ela imita o macho. (p. 81)

⇢ É impossível, vê-se por esse exemplo, encarar a mulher unicamente como força produtora; ela é para o homem uma parceira sexual, uma reprodutora, um objeto erótico, um Outro através do qual ele se busca a si próprio. (p. 89-90)

⇢ [...] conta-se que as amazonas mutilavam os seios, o que significava que, pelo menos durante o período de sua vida guerreira, recusavam a maternidade. (p. 96)

⇢ A razão está em que a humanidade não é uma simples espécie natural: ela não procura manter-se enquanto espécie; seu projeto não é a estagnação: ela tende a superar-se. (p. 97)

⇢ Assim, o triunfo do patriarcado não foi nem um acaso nem o resultado de uma revolução violenta. Desde a origem da humanidade, o privilégio biológico permitiu aos homens afirmarem-se sozinhos como sujeitos soberanos. Eles nunca abdicaram do privilégio; alienaram parcialmente sua existência na Natureza e na Mulher, mas reconquistaram-na a seguir. Condenada a desempenhar o papel do Outro, a mulher estava também condenada a possuir apenas uma força precária: escrava ou ídolo, nunca é ela que escolhe seu destino. "Os homens fazem os deuses; as mulheres adoram-nos", diz Frazer. São eles que decidem se as divindades supremas devem ser femininas ou masculinas. O lugar da mulher na sociedade sempre é estabelecido por eles. Em nenhuma época ela impôs sua própria lei. (p. 112-113)

⇢ [...] a romana da decadência é o tipo da falsa emancipada que não possui, no mundo de que os homens são concretamente os donos, senão uma liberdade inócua: é livre "para nada". (p. 133)

⇢ Numa religião em que a carne é maldita, a mulher se apresenta como a mais temível tentação do demônio. (p. 134)

⇢ [...] a mulher é o instrumento através do qual a propriedade se transmite, e não sua possuidora; não se emancipa com isso, é, em suma, absorvida pelo feudo, faz parte dos bens imóveis. (p. 137)

⇢ A negatividade continua sendo o destino das mulheres enquanto sua libertação permanece negativa. (p. 146)

⇢ A mulher burguesa faz questão de seus grilhões porque faz questão de seus privilégios de classe. Explicam-lhe sem cessar (e ela sabe) que a emancipação das mulheres seria um enfraquecimento da sociedade burguesa; libertada do homem seria condenada ao trabalho; pode lamentar não ter sobre a propriedade privada senão direitos subordinados aos do marido, porém deploraria ainda mais que essa propriedade fosse abolida; não sente nenhuma solidariedade com as mulheres da classe proletária: está muito mais próxima do marido do que das operárias da indústria têxtil. Faz seus os interesses do marido. (p. 163)

⇢ O próprio feminismo nunca foi um movimento autônomo; foi, em parte, um instrumento nas mãos dos políticos e, em parte, um epifenômeno refletindo um drama social mais profundo. Nunca as mulheres constituíram uma casta separada: em verdade nunca elas procuraram desempenhar um papel na história enquanto sexo. As doutrinas que reclamam o advento da mulher enquanto carne, vida, imanência, enquanto Outro, são ideologias masculinas que não exprimem de modo algum as reivindicações femininas. A maioria das mulheres aceita resignadamente a sorte sem tentar nenhuma ação; as que buscaram mudá-la não pretenderam encerrar-se em sua singularidade, nem fazê-la triunfar, mas sim sobrepujá-la. Quando intervieram no desenrolar dos acontecimentos, fizeram-no de acordo com os homens e dentro das perspectivas masculinas. (p. 187)

⇢ Os antifeministas extraem da história dois argumentos contraditórios: 1º) as mulheres jamais criaram algo importante; 2º) a situação da mulher jamais impediu o surgimento de grandes personalidades femininas. Tais afirmações são eivadas de má-fé; os êxitos de algumas privilegiadas não compensam nem desculpam o rebaixamento sistemático do nível coletivo; e o fato de serem esses êxitos raros e limitados prova precisamente que as circunstâncias lhes são desfavoráveis. (p. 191)

⇢ Ele espera realizar-se como ser possuindo carnalmente um ser, ao mesmo tempo que consegue confirmar-se em sua liberdade através de uma liberdade dócil. Nenhum homem consentiria em ser uma mulher, mas todos desejam que haja mulheres. "Agradecemos a Deus por ter criado a mulher." "A natureza é boa demais, pois deu a mulher aos homens.", Nessas frases, e em outras análogas, o homem afirma uma vez mais com arrogante ingenuidade que sua presença neste mundo é um fato inelutável e um direito, enquanto a da mulher é um simples acidente: um bem-aventurado acidente. aparecendo como o Outro, a mulher aparece ao mesmo tempo como uma plenitude de ser em oposição a essa existência cujo vazio o homem sente em si; o Outro, sendo posto como objeto aos olhos do sujeito, é posto como em si, logo como ser. Na mulher encarna-se positivamente a falta que o existente traz no coração, e é procurando alcançar-se através dela que o homem espera realizar-se. (p. 201-202)

oct 24 2018 ∞
jan 27 2020 +