• a anunciação

virgem! filha minha / de onde vens assim / tão suja de terra / cheirando a jasmim / a saia com mancha / de flor carmesim / e os brincos da orelha / fazendo tlintlin? / minha mãe querida / venho do jardim / onde a olhar o céu / fui, adormeci. / quando despertei / cheirava a jasmim / que um anjo esfolhava / por cima de mim...

  • o mais-que-perfeito

(...) ah, quem me dera ter-te / como um lugar / plantado num chão verde / para eu morar-te / morar-te até morrer-te...

  • médico de flores

(...) estaria assim muito bem no meu consultório e de repente minha mãe, aflitíssima, telefonaria: "meu filho, vem depressa que minhas rosas estão morrendo..." e eu partiria com a minha maletinha para auscultar o coração das rosas, aplicar-lhes a coramina das flores, fazer-lhes transfusão de seiva, reavivar-lhes as cores, a fragrância, a beleza. e mal chegado a casa já haveria recados de milhões de amigas preocupadíssimas com suas azáleas, seus redodendros, seus antúrios. e eu voltaria feliz e diria com orgulho e alegria à bem-amada: "Acho que consegui salvar as rosas de minha mãe." e a bem-amada ficaria muito contente e me daria um beijo. e eu daria também consultas a flores pobres, e na rua todas as damas me sorririam com simpatia e respeito, cumprimentando-me com graciosos ademanes. e eu as cumprimentaria de volta, com a circunspecção que deve ter um médico de flores.

  • o amor por entre o verde

(...) é um tal milagre encontrar, nesse infinito labirinto de desenganos amorosos, o ser verdadeiramente amado... (...)

  • smith-corona versus vat-69

hoje eu colocarei pequenas lâmpadas em todos os lírios, e acenderei os campos da terra para que a lua, quando nasça, pense que está bêbada, e que o Infinito virou ao contrário, e vomite sobre o mundo uma galáxia multicor. depois me mandarei a marte (mandar-me-ei a marte)? num foguete interplanetário onde haja um único lp (e a quem decifrá-lo, em cartas à redação, eu, esfingético, o devorarei). (...) é inútil, ó revisor. não é mesmo para entender. (...)

  • os politécnicos

(...) e eu fiquei certo de que nenhum deles seria nunca um louco, um traidor ou um assassino porque eu os amava tanto, e o meu amor haveria de protegê-los contra os males de viver.

  • namorados no mirante

eles eram mais antigos que o silêncio / a perscrutar-se intimamente os sonhos / tal como duas súbitas estátuas / em que apenas o olhar restasse humano. / qualquer toque, por certo, desfaria / os seus corpos sem tempo em pura cinza. / (...) / caíam lentamente na voragem / como duas estrelas que gravitam / juntas para, depois, num grande abraço / rolarem pelo espaço e se perderem / transformadas no magma incandescente / que milênios mais tarde explode em amor / e da matéria reproduz o tempo / nas galáxias da vida no infinito. / eles eram mais antigos que o silêncio...

  • velha mesa

(...) como a ti, andaram me polindo. há também em mim nomes e símbolos quase indistinguíveis sob a lixa do tempo. mas não és tu a mesa da infância e da juventude - aquela sobre que gotejaram, no pungente labor do verso e na angústia do amor sozinho, as primeiras lágrimas de um homem que nada sabia e nada sabe senão amar a mulher?

  • dialética

é claro que a vida é boa / e a alegria, a única indizível emoção / é claro que te acho linda / em ti bendigo o amor das coisas simples / é claro que te amo / e tenho tudo para ser feliz / mas acontece que eu sou triste...

  • o amor dos homens

(...) tu és mulher. tu tens seios, lágrimas e pétalas. à tua volta o ar se faz aroma. (...)

jul 27 2017 ∞
jul 12 2019 +