AVISO DE SPOILERS!!
- o problema da minha vida era que ela tinha sido ideia de outra pessoa
- era engraçado, focado e impetuoso. quer dizer, podia ser impetuoso. e não tinha nenhuma maldade. eu não entendia como alguém podia viver em um mundo mau e não absorver um pouco dessa maldade. como um cara era capaz de viver sem um pouco de maldade? dante se tornou mais um mistério em um mundo cheio de mistérios.
- mas não sofri tanto. talvez não fosse amado por todos, mas tampouco era um daqueles garotos que todos odiavam. eu era bom de briga. por isso as pessoas me deixavam em paz. eu era praticamente invisível. acho que gostava de ser assim. até que surgiu dante.
- naquela tarde aprendi duas palavras novas. 'inescrutável'... e 'amigos'. as palavras ficam diferentes quando passam a morar dentro de você.
- em silêncio, ficamos ao redor do telescópio, no meio do deserto, esperando nossa vez de ver os corpos celestes. quando olhei pelo telescópio, dante começou a explicar o que era aquilo que eu via. não escutei nenhuma palavra sequer. alguma coisa aconteceu dentro de mim quando comecei a contemplar o vasto universo. através daquele telescópio, o mundo ficava mais próximo e maior do que eu jamais imaginara. era tudo tão belo e estonteante e... sei lá, percebi que algo importante existia dentro de mim
- "um dia vou desvendar todos os segredos do universo." achei graça. "e o que você vai fazer com esses segredos, dante?" "saberei quando chegar a hora" respondeu. "talvez mudar o mundo." acreditava nele.
- ele chegou perto e desamarrou meu cadarço, dizendo: "tire o sapato, ari. viva um pouco."
- "por que os pássaros existem, afinal?" ele olhou para mim. "você não sabe?" "acho que não." "os pássaros existem para nos ensinar coisas sobre o céu." "você acredita nisso?" "acredito."
- eu era mais frio que dante. acho que tentava esconder esse meu jeito porque queria que ele gostasse de mim. mas agora ele tinha visto. mas talvez tudo estivesse bem. talvez ele pudesse gostar do meu jeito mais frio, assim como eu gostava de que ele não fosse desse jeito.
- pensei muito em dante. e me pareceu que seu rosto era o mapa do mundo. um mundo sem qualquer escuridão. uau, um mundo sem escuridão. não seria lindo?
- quando eu era criança , costumava acordar achando que o mundo ia acabar. levantava da cama, olhava no espelho e via que meus olhos estavam tristes.
- havia um quê de tristeza e solidão no desenho; eu me perguntei se era assim que ele via o mundo ou se era assim que ele via meu mundo.
- então passei a me chamar ari. se tirasse uma letra, meu nome seria ar. achava que devia ser ótimo ser o ar. eu poderia ser nada e alguma coisa ao mesmo tempo. ser necessário e invisível. todos precisariam de mim e ninguém conseguiria me ver.
- aposto que às vezes é possível desvendar todos os mistérios do universo na mão de uma pessoa.
- "fui nadar hoje." ele disse. "como foi?" "amo nadar." "eu sei." "amo nadar." dante repetiu. depois, ficou em silêncio por uns instantes. e então continuou: "amo nadar... e você." fiquei calado. "nadar e você, ari. são as coisas que mais amo.
- tenho essa teoria de que sonhamos porque pensamos em coisas sem termos consciência de que estamos pensando. e essas coisas, bem, elas nos assombram nos sonhos. talvez sejamos como pneus cheios demais. o ar precisa escapar. os sonhos são isso.
- "o engraçado é que às vezes acho que minha mãe ama mais meu pai do que meu pai a ama. faz sentido?" "é, acho que faz sim. talvez. o amor é uma competição?" "o que você quer dizer?" "pode ser que cada um ame de um jeito diferente. talvez seja isso o que importa."
- senti vontade de dizer que nunca tivera um amigo, nenhum, nenhum de verdade. até dante. senti vontade de dizer que não sabia que existia gente como dante, gente que observava estrelas, que conhecia os mistérios da água, que sabia o suficiente para entender que os pássaros pertenciam ao céu e não deveriam ser derrubados de seu voo gracioso por moleques idiotas e cruéis. senti vontade de dizer que dantes transformara minha vida e eu jamais seria o mesmo, jamais. e que, na verdade, minha sensação era de que dante tinha salvado a minha vida, e não ao contrário. senti vontade de dizer que ele tinha sido o primeiro ser humano além da minha mãe com quem pude falar de coisas que me assustavam. senti vontade de dizer tantas coisas e, contudo, não tinha as palavras.
- todo esse tempo. esse era o problema. passara todo aquele tempo tentando descobrir os segredos do universo, os segredos do corpo, do coração. todas essas repostas estavam tão próximas e, contudo, sempre as combati sem saber. me apaixonei por dante desde o minuto em que o conheci. apenas não me permiti saber, pensar, sentir. meu pai estava certo. e era verdade o que minha mão dizia. todos tratávamos nossas guerras particulares. dante e eu estávamos deitados na caçamba da caminhonete, virados para cima, observando as estrelas do verão. eu estava livre. imaginem. aristóteles mendonza, um homem livro. não tinha mais medo. pensei no rosto da minha mãe quando lhe dissera que sentia vergonha. pensei naquele olhar de amor e compaixão que ela me dirigiu. "vergonha? de amar dante?" peguei a mão de dante e a segurei. como pude um dia sentir vergonha de amar dante quintana?
nov 22 2020 ∞
jan 25 2021 +