textoscruéisdemais

  • ninguém existe como você. ninguém para como você no meio da rua pra observar a arquitetura que cê nem sabe dizer de que época é mas que te fascina. ninguém percebe a beleza do concreto como você. ninguém tem o tom dos seus cabelos quando o sol os atinge e ninguém aprecia o vento alvoroçando os fios como você quando fecha os olhos pelo simples prazer de sentir o nada te tocando. ninguém tem o brilho dos seus olhinhos lacrimejando só porque acha bonito demais os feixes de luz vazando, seja pelos prédios ou pelas árvores: ninguém tem a sua luz vendo a luz vazando por qualquer vão. ninguém escuta como você. ninguém gira no meio da rua como você pra gravar um vídeo de tudo rodopiando só pra comentar com alguém depois como é bonito também o caos. ninguém sabe desenvolver as suas metáforas, que ainda que você diga serem manjadas, sempre carregam uma imensidão nas suas significâncias (ainda que ninguém além de você consiga entender, ainda que as vezes nem exista como explicar). ninguém sente as palavras como você, como quando as ressignifica ou quando explica que algumas deslizam enquanto outras tropeçam ou quando fala da maneira que elas saem da boca.ninguém tem o seu tom de voz desafinado quando canta nem o seu tom amável quando pede pra amiga te avisar que chegou em casa e que tá tudo bem.ninguém dança assim, tão despreocupada com a desaprovação quanto a sua falta de ritmo, pensando só no quanto está se divertindo enquanto morre de rir (ninguém tem a sua risada engraçada). ninguém captura a simplicidade como você seja com fotografias digitais ou só com a memória. ninguém tem a sua poesia crua nua honesta. ninguém existe assim bonito como você.

textoscruéisdemais

  • eu quero a sua honestidade mas não do jeito que você pensa. eu quero primeiro que você seja honesto consigo. quero que você seja honesto a ponto de se permitir ser quem você é sem medo das suas falhas. honesto quando pensar na ideia de se expor mais ao mundo. eu quero que você seja honesto com o seu corpo e o olhe com mais mansidão e carinho (mesmo que no começo você apenas finja) até enxergar que nenhum abrigo vai te confortar melhor que o seu próprio. honesto com todas aquelas suas imperfeições que você abomina a ponto de aceitá-las como uma característica única sua até que se torne algo menos doloroso de se conviver. honesto com todas as suas muitas inseguranças a ponto de toca-las com mais paciência até você conseguir se habituar de forma que elas não te façam mais sentir pavor de se expor a alguém. honesto com todas suas dores e seus medos e receios até compreender que você pode descobrir com eles a hora de ser corajoso a ponto de enfrentá-los. e eu sei que a vida anda difícil e que absorver cada falha cada medo e cada dor exigirá de você um processo demorado de esforço mas eu sei também que é possível tentar e quero que você tente por amor e honestidade a você. eu quero que a sua honestidade seja antes de mim antes de tudo, sua. eu quero que você seja honesto com tudo que viveu vive e quer viver. tudo que te faz inteiro nesse espaço. até você se convencer de que morar no próprio corpo e se sentir confortável nele é importante pra que você termine os dias íntegro e salvo. até você se convencer de que tudo isso que dói agora pode se tornar algo bom. porque eu te garanto pode mesmo e vale qualquer esforço. eu quero olhar pra você e ver nos seus olhos a honestidade de alguém que anda tentando abraçar o próprio ser cheio de falhas e aceitar que falhas são humanas e que você é isso humano. até não ter medo de ser.eu quero a sua honestidade mas não do jeito que você pensa. eu quero que você seja honesto antes de tudo com você.

intergalaticismo

  • nota 1: leia ouvindo venus. às vezes eu sinto uma súbita vontade de te contar sobre mim; dos meus gostos estranhos, das poesias inacabadas, do apreço pelo universo, das partes que ninguém sabe e até da vontade de ser qualquer coisa menos eu. mas hoje eu quero te falar sobre o sol invadir o meu quarto todas as manhãs e como você parece o sol me invadindo; eu sempre te achei imenso, de perto você é muito mais que isso. te olhar faz existir parecer um pouco com algo bom como se as guerras terminassem e o mundo declarasse paz pra todas as causas perdidas. eu gosto de ver a pintinha do teu rosto, a covinha do teu queixo, o teu sorriso e de ouvir tua voz grave me contando aleatoriedades mas gosto ainda mais dos detalhes que você não sabe que eu noto. você me falou que azul é tua cor favorita e eu te digo que a tua alma é toda azul e eu queria poder fotografar tudo que eu vejo em você e espalhar pra todo mundo ver a coisa linda que você é [ainda bem que eu vejo]. a eternidade nunca me coube mas eu gosto disso de te sentir assim: como uma correnteza que permanece iluminando o breu da minha existência limitada. eu gosto do teu estrago, da tua determinação e da calma que repousa sob teus ossos e hoje eu te digo que paz é saber que o mundo é lindo aqui e agora pensando em você.

intergalaticismo

  • você me contava das estrelas e das leis que regem o universo e de como viver é algo incrível e bonito. mas meu coração sempre foi cheio de depois outra hora outro tempo amanhã. porque eu tenho medo do hoje. porque eu não sei de nada e o nada me engole. e por isso eu sumo. lembra quando assistimos into the wild e você recitou a minha frase favorita?mas eu não sou forte, eu não me sinto forte e eu não posso tornar você fraco. semana passada eu te liguei chorando porque eu não aguentava o tamanho da perda que tava sentindo e você tocou e cantou Dylan e eu acabei adormecendo e quando eu acordei a ligação ainda tava lá e por um momento eu pensei que talvez eu pudesse dançar sobre o caos do mundo com você. e que tudo podia ser bonito mas na minha mente é sempre depois outra hora outro tempo amanhã e não há nada de bonito nisso. minha vida é um eterno depois que nunca chega mas você chegou por isso eu tô indo embora. você abraçou meus medos e a minha paz adormeceu no teu peito. e isso me assusta porque eu ainda não sou um bom lugar pra você. porque eu ainda não tô pronta. porque talvez eu nunca consiga ficar pronta pra alguém como você e nem mesmo as tuas mãos tocando minha pele e indo além iriam conseguir me trazer a sensação de estar no tempo certo porque eu não sei de mim. e eu não posso estragar você. eu não posso te pedir pra lutar quando eu mesmo jogo as munições fora porque a guerra é em vão e a paz já é você. porque as ruínas feitas por mim não são bonitas e você me fez sentir amor e por isso não quero ser a base do teu desmoronamento e por isso o fim chega sempre antes do tempo.

akapoeta

  • ansiedade. ansiedade é sentir algo tentado escapar de dentro do meu peito. ansiedade. ansiedade é um bando de sentimentos brigando entre si dentro da minha alma, como se estivessem bêbados dentro de um bar, fazendo do pouco espaço livre que ainda resta em mim, um caos, repleto de sujeira, medo e palavras de baixo calão que eu tenho nitidamente o desejo de gritar com a cara no travesseiro, isso se eu conseguisse respirar direito. deve ser por isso a falta de ar. ansiedade. ansiedade é o que me faz olhar pros lados numa procura obviamente inútil por algo que faça passar a sensação mais condensada que eu já senti e que eu claramente não consigo controlar. procuro remédio. procuro espaço. procuro ar. procuro alguém pra me ajudar. três da manhã, será que eu ligo? eu devo ligar. não quero incomodar. a ansiedade me incomoda. não quero ser a ansiedade de ninguém. remédio pra dormir não parece uma opção ruim. mas eu não tenho remédios pra dormir. eu ainda tenho problemas pra dormir. ansiedade. ansiedade é perder a vontade de me olhar no espelho, é corromper os meus desejos e deixar de querer as coisas que por tanto tempo eu sonhava em ter, é reinventar a necessidade, é tremer sem perceber, é perceber que está tremendo sem perceber, é rasgar o próprio corpo, é costurar o próprio corpo e arrebentar as costuras da minha alma, deixando vazar em forma de desespero e xingamentos secos que não conseguem ser ditos pela minha garganta seca, o obscuro do meu anseio de apagar por alguns minutos e acordar tranquilo. mas eu não consigo. sinto sede. ansiedade. ansiedade deixou marcas no meu corpo. marcas que me lembram do que em que eu quase perdi. o desenho de uma vitória sofrida, que mostra pra mim, claramente, que quanto mais o tempo passa, mais eu me fortaleço. ansiedade. ansiedade faz parte da minha casa, tem um quarto na minha vida, uma caneca só dela no armário da minha cozinha. hoje em dia ela fica quieta a maior parte do ano. não posso tentar expulsar parte da minha alma. convivo com meu demônio no meu apartamento, é melhor do que morar no inferno do sentimento.

textoscruéisdemais

  • eu quis construir uma casa em você e eu quis que você fosse todo o meu mapa astral porque eu não cria em nada transcendental que não fosse você me abrindo um sorriso de sol logo pela manhã. eu quis construir uma casa em você porque me parecia mais confortável repousar o meu cansaço nos seus ombros do que pegar a mala e ir embora do bairro, da cidade, do país. eu quis construir uma casa que não ruísse ao tempo, que pudesse abrigar até as nossas piores brigas, que coubesse todas as vezes em que gritávamos um com o outro e depois pedíamos perdão, tão tolos, pelo imerecimento do amor. eu quis construir, depois de casas, prédios, pontes, vernáculos, templos sagrados, lares, paz. eu quis construir uma paz em você. eu quis construir um lugar para o qual eu pudesse correr em dias de chuva muito forte e catastrófica. eu quis arremedar as portas, fechar as janelas, tecer cortinas, preparar o ambiente, terrenar. eu quis estender um tapete onde pudéssemos fazer amor enquanto todo o resto se debatia e gritava uma espécie de política do perdão. eu quis tocar bolero na sua barba e pedir que você ficasse não porque eu era bom demais, mas porque merecíamos o troféu da resiliência: já tínhamos vencido muita gente que, não sabendo lidar com tijolos, amassaram nosso peito sem dó e sem pena. eu quis plantar todos os jardins de Taiwan na sua alma vazia. eu quis balbuciar mentiras agradáveis que lambessem seu ego e te fizessem menos feio do que você era. eu planejei uma casa numa área de risco. eu recorri à matemática e à engenharia porque pensei que pudesse te salvar do massacre cotidiano que é ser alicerçado numa área inadequada. eu quis construir uma casa em você pois me sentia uma criança abandonada no mundo e não sabia que depositar crença e fé em alguém era como clamar a um deus morto. casas desestruturadas não abrigam descrentes no amor e você era um ateu enquanto eu orava para que qualquer coisinha crescesse e nos distraísse da ideia de que tudo desmoronava - e ruiu.
nov 1 2018 ∞
nov 9 2019 +